“Quando completei o desafio e mostrei aos meus alunos, percebi que era um hábito quase impossível de largar.” O depoimento é do arquiteto húngaro Ernö Rubik e se refere ao dia em que ele apresentou certa invenção sua numa aula na Academia de Artes Aplicadas de Budapeste, em 1974. O que provocava o tal “hábito quase impossível de largar” era o cubo de Rubik — que ficaria famoso como cubo mágico.
O que era para ser um mero instrumento para ensino de álgebra, por meio da solução matemática de um problema — materializado em um cubo com cada face composta de nove quadrados de seis cores, divididos em três fileiras e três colunas —, que consistia em deixar todas as faces com a mesma tonalidade, não demorou a se transformar em um brinquedo, vendido “nas boas casas do ramo”, como se dizia então.
A mania “pegou” no início dos anos 1980, com 200 milhões de unidades comercializadas antes da metade da década. Mas, assim como surgiu, o passatempo murchou. Ainda em 1982, o jornal americano The New York Times decretou: “A loucura morreu”. Estava errado: o fenômeno renasceu. E com maior vigor: em 2017, o cubo mágico registrou seu recorde de vendas.
Como e por que isso aconteceu? A resposta abriga uma confluência de motivos. Há, por exemplo, a recente onda de resgate de diversos brinquedos oitentistas, inclusive no Brasil. Naquele mesmo ano de 2017, a marca nacional Estrela relançou uma série deles, entre os quais o Genius, o Ferrorama e o Pogobol. Outro que retornou às prateleiras foi o japonês Tamagotchi — em 2017, no país de origem, e no ano passado, na América do Norte. Trata-se de um aparelho portátil que, em jogo similar a um videogame, propõe que a criança cuide de um bichinho virtual. Uma das razões para essa retomada é que pesquisas de mercado indicam o sucesso dos antigos produtos — uma delas, realizada na Inglaterra em 2019 pela consultoria Mintel, mostrou que 57% dos adultos preferem comprar brinquedos que eles mesmos tiveram na infância para presentear crianças.
O caso do cubo mágico, entretanto, apresenta particularidades. Seu renascimento começou de forma modesta em 2005, o ano do surgimento do YouTube. O que um fato tem a ver com o outro? Tudo. Desde aquela época, vídeos de pessoas solucionando o desafio se espalharam pelo site, adquirido em 2006 pelo Google. “Apesar de todos os fatores que levaram à nova explosão do cubo mágico, é inegável que a internet foi o principal deles”, acredita o youtuber paulistano Rafael Cinoto, de 43 anos, cujo canal no site já contabiliza mais de 28 milhões de visualizações. “Por quê? Quando o desafio foi lançado, era dificílimo de resolver (o próprio Ernö Rubik demorou um mês para solucionar o primeiro cubo mágico da história), o que levou ao desinteresse. Hoje, basta procurar no Google para aprender a fazer”, diz Cinoto. O mais acessado desses vídeos tutoriais, lançado em 2013 por um youtuber americano, ultrapassa 38 milhões de views.
O crescimento do interesse pelo divertimento pode ser medido pelo número de torneios que se espalharam ao redor do planeta. Em 2004, eram apenas doze competições oficiais. No ano seguinte, 24. Em 2019, foram exatos 1 328 — sendo 61 no Brasil. O salto de vendas do produto é outro termômetro: em âmbito global, o recorde batido em 2017 gerou uma cifra equivalente a 1 bilhão de reais. Em comparação com 2016, houve um aumento na sua comercialização da ordem de 45%. De lá para cá, estima-se que as vendas tenham se mantido nesse patamar. Multiplicaram-se, ainda, as formas como o brinquedo pode ser encontrado: além da tradicional, há versões minúsculas (como chaveiros), gigantescas (com até vinte colunas e fileiras) e até virtuais (disponíveis na web e por meio de aplicativos de smartphones e tablets). Calcula-se que uma em cada sete pessoas tenha tentado resolver um cubo mágico — algo como 1 bilhão de indivíduos já cederam à diversão. Ou seja: temos de concordar com o que pensou seu inventor naquele longínquo dia de 1974, numa sala de aula de Budapeste.
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671