Nick Young (Henry Golding) nunca pede sobremesa; prefere roubar umas colheradas do doce de sua namorada, Rachel (Constance Wu). O rapaz também joga basquete numa quadra caída da ACM e tem todo tipo de gosto singelo, o que Rachel, professora de economia em Nova York, acha enternecedor. O que ela ignora, mas o espectador já sabe, é que Nick não tem nada de simplesinho: é herdeiro da maior fortuna da riquíssima Singapura — aquele tipo de gente que, quando é esnobada por um concierge, compra o hotel na hora, com um telefonema, para calar a boca do funcionário malcriado. Pode parecer uma sorte danada, então, que Nick esteja apaixonado por Rachel a ponto de levá-la consigo numa visita a Singapura, onde ele vai ser padrinho de casamento de seu melhor amigo. Seria uma sorte — não estivesse lá, do outro lado do mundo, já ciente do namoro (a fofoca transcontinental é de uma velocidade atordoante), Eleanor (Michelle Yeoh), a severa, aristocrática e muito tradicional mãe de Nick. Mãe-tigre por ditame social e também por vocação, Eleanor está furiosa com a ideia de entregar seu príncipe a uma cinderela qualquer. É justamente esse o charme de Podres de Ricos (Crazy Rich Asians, Estados Unidos, 2018), já em cartaz no país: dar um inédito e tresloucado tempero asiático a uma história que já foi servida em todo tipo de sabor.
Desde O Clube da Felicidade e da Sorte, de 1993, não se produzia um filme de estúdio com elenco integralmente oriental, mas a Warner se deu bem com a aposta: rodada ao custo modesto de 30 milhões de dólares, a comédia romântica do diretor californiano Jon M. Chu já é uma das maiores bilheterias do ano nos Estados Unidos. Conta muito o fato de o filme partir da trilogia homônima de grande sucesso do escritor Kevin Kwan (o primeiro livro foi publicado aqui pela Record), que se baseou em suas experiências de choque cultural. No senso comum, o sucesso de Podres de Ricos seria então uma vitória da busca pela diversidade. Na prática, tem mais a ver com a marca já conhecida, com a simpatia da direção e do elenco (no qual Michelle Yeoh sobressai com larga vantagem) e com aquela faceta aparentada mas sutilmente oposta à ideia de diversidade: o exotismo.
E exotismo é o que não falta aqui. Da arquitetura de Singapura — que compete com a de Dubai em mirabolância — aos costumes alienígenas dos extraordinariamente ricos, Jon M. Chu serve uma porção generosa de cor, exuberância e humor (a trilha sonora, com versões em chinês de hits como Material Girl, é um deleite à parte). Autor, roteiristas e diretor driblam também um pecado fatal cometido, por exemplo, em Casamento Grego: em vez de estreitarem seus personagens em estereótipos folclóricos, tratam de alargá-los com contornos contraditórios e mais humanos. Eles podem ser podres de ricos, mas — até certo ponto — são gente como a gente.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606