Um abaixo-assinado online criado por Wagner Moura em defesa do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho reuniu em menos de quatro dias 3.887 assinaturas (até o momento da publicação desta nota). Disponível no site Avaaz, a petição, direcionada ao ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, questiona como ficará a produção cultural brasileira atual a partir de “um incidente como este”. No final de março, a empresa do diretor foi notificada pelo Ministério da Cultura (MinC), que pede a devolução dos 2,1 milhões de reais captados para a produção de O Som ao Redor (2009), o primeiro longa-metragem de ficção do cineasta.
“Nós, que vemos a cultura como peça fundamental para o desenvolvimento de um povo e que assinamos abaixo, assistimos com perplexidade e democrática preocupação a conduta do Ministério da Cultura diante do diretor Kleber Mendonça Filho e sua equipe de produção”, diz o abaixo-assinado. “Com absoluta certeza, não trata-se de uma questão privada, mas de liberdade de expressão. Uma questão própria da luta da cultura no Brasil que sempre foi e sempre será um território livre de democracia.”
A petição conta com assinaturas de nomes como Julia Lemmertz, Monica Iozzi, Dira Paes, Renata Sorrah, Paula Lavigne, Gregorio Duvivier, Daniel de Oliveira, Sophie Charlotte, Maria Gadu, Caio Blat, Fabio Assunção, Patricia Pillar, Michel Melamed, Astrid Fontenelle, Caetano Veloso e Glenn Greenwald.
Entenda o caso
O Ministério da Cultura afirma que a produtora de Kleber Mendonça Filho captou um valor superior ao permitido no edital para filmes de baixo orçamento, que é de 1,3 milhão de reais e foi vencido pelo cineasta para a realização do longa. Para O Som ao Redor, porém, o diretor captou 1,7 milhão de reais. Por isso, em 29 de março, o MinC notificou o diretor por e-mail sobre a necessidade de devolução de 2.162.052,68 reais – todo o orçamento do filme, corrigido.
Em carta aberta endereçada a Sergio Sá Leitão e publicada em seu perfil no Facebook na terça-feira (29), Mendonça Filho afirma que tentou “agendar uma visita com o senhor para discutir essa questão. Tentamos de várias formas, contato pessoal e marcação de uma agenda oficial, sem sucesso”.
O cineasta afirma que o valor adicional de 410.000 reais foi captado no âmbito estadual, por um edital de audiovisual do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura). “Esse valor foi devidamente declarado e autorizado pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), após comunicação entre as duas instituições (Ancine e Secretaria do Audiovisual). São informações públicas e declaradas, já há oito anos”.
O diretor afirma que seu consultor jurídico chegou a procurar a Coordenação de Editais da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura para esclarecer se a captação via Funcultura seria considerada irregular. “A SAV afirmou, via e-mail oficial, que a captação de recursos não-federais (no nosso caso, o Funcultura pernambucano) NÃO VIOLARIA os limitadores dispostos no edital de Baixo Orçamento em questão. Essa resposta está documentada (‘Sim, o edital só veta recursos federais acima de R$ 300 mil.’). Nós nunca faríamos alteração de orçamento sem o acompanhamento das agências responsáveis, elas próprias regidas por regras internas duras”, diz, na carta aberta.
“Pergunto ao senhor se houve comunicação entre o MinC e a Ancine para tentar esclarecer essa questão institucional que não deveria ser transformada numa punição inadequada para os produtores de um filme exemplar”, continua. “Por que a denúncia feita por um funcionário da Ancine encontrou sentido dentro do MinC, mas não na própria Ancine, onde o processo interno não foi adiante?”
Na quarta-feira (30), o MinC respondeu a carta de Kleber Mendonça Filho, afirmando que “segue com absoluto rigor os dispositivos constitucionais, as leis e as demais normas que regem a Administração Pública Federal”. O Ministério diz que a produtora do diretor, a Cinemascópio, não recorreu da decisão de cobrança, o que é um direito seu, e que não pagou o valor cobrado e nem se manifestou formalmente sobre o assunto.
“O advogado da empresa foi recebido no dia 23 de maio de 2018 pelo Gabinete do Ministro e pela Consultoria Jurídica do MinC, a seu pedido, ocasião em que os esclarecimentos solicitados foram prestados e houve a indicação da possibilidade de recurso em âmbito administrativo”, diz o comunicado. “A fim de que não pairem dúvidas sobre o efetivo compromisso do MinC com os princípios do contraditório e da ampla defesa, a SAV está expedindo nova notificação à Cinemascópio, que terá um prazo de dez dias para recorrer da decisão ou efetuar o pagamento. Além do recurso mencionado, a empresa ainda poderá apresentar, caso persista o interesse, pedido de reconsideração e pedido de revisão, cumpridas as exigências legais. Trata-se de procedimento regular.”
Leia abaixo, na íntegra, a carta aberta de Kleber Mendonça Filho e o comunicado do MinC:
Esclarecimento: carta aberta de Kleber Mendonça Filho
Em relação à “carta aberta” publicada pelo cineasta Kleber Mendonça Filho em redes sociais e divulgada por alguns veículos de imprensa, o Ministério da Cultura vem a público esclarecer que:
– Segue com absoluto rigor os dispositivos constitucionais, as leis e as demais normas que regem a Administração Pública Federal, obedecendo a todas as exigências inerentes ao devido processo legal.
– Pauta sua atuação pelo princípio da impessoalidade, pelo respeito à coisa pública e pela busca do bem comum, tomando as providências cabíveis sempre que há uma denúncia em assunto afeito à sua área de atuação.
– O procedimento adotado no caso do filme “O Som ao Redor” foi, assim, um imperativo legal e ético; e teve motivação e tratamento estritamente técnicos, com o cumprimento fiel do rito administrativo aplicável.
– A questão tem sido tratada em âmbito administrativo, sob a responsabilidade da Secretaria do Audiovisual. Todos os encaminhamentos até agora se restringem a esta esfera. Não houve no Processo Administrativo em curso participação do ministro Sérgio Sá Leitão.
– Após receber, em 23 de janeiro de 2017, denúncia sobre um suposto descumprimento por parte da empresa Cinemascópio de regras do Edital de Concurso 3 da Secretaria do Audiovisual, de 2009, o MinC instaurou Processo Administrativo.
– Técnicos da Secretaria do Audiovisual constataram que houve de fato o descumprimento de regras do Edital. Diversas cláusulas vedavam orçamento superior a R$ 1,3 milhão, mas houve a captação e o efetivo uso de um valor maior para a realização do filme.
– Cumprindo a determinação legal e o previsto no Edital, assim como respeitando as etapas e as normas do Processo Administrativo, o MinC notificou a empresa proponente instando-a a devolver os recursos recebidos à União, corrigidos na forma da legislação vigente.
– Trata-se de regra prevista no Termo de Compromisso do Edital, que foi assinado por representante legal da empresa proponente no dia 13 de outubro de 2009. Havia, portanto, prévio e pleno conhecimento das normas do Concurso.
– A empresa proponente até agora não exerceu o seu direito legal de recorrer da decisão de cobrança, comunicada em 29 de março de 2018. O prazo inicialmente estipulado para o pagamento venceu, sem que houvesse manifestação formal da parte. Nem pagamento.
– Jamais o MinC se recusou a dialogar com a empresa responsável pelo projeto. Em todas as etapas do Processo Administrativo tem sido respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa. A parte notificada não é o cineasta, mas a empresa Cinemascópio.
– O advogado da empresa foi recebido no dia 23 de maio de 2018 pelo Gabinete do Ministro e pela Consultoria Jurídica do MinC, a seu pedido, ocasião em que os esclarecimentos solicitados foram prestados e houve a indicação da possibilidade de recurso em âmbito administrativo.
– A fim de que não pairem dúvidas sobre o efetivo compromisso do MinC com os princípios do contraditório e da ampla defesa, a SAV está expedindo nova notificação à Cinemascópio, que terá um prazo de dez dias para recorrer da decisão ou efetuar o pagamento.
– Além do recurso mencionado, a empresa ainda poderá apresentar, caso persista o interesse, pedido de reconsideração e pedido de revisão, cumpridas as exigências legais. Trata-se de procedimento regular.
– Questões externas ao fato gerador da denúncia, como a relevância da obra ou o talento e o prestígio de seus realizadores, não podem influenciar a tomada de decisão no campo da Administração Pública. Se há constatação de irregularidade, providências devem ser tomadas, qualquer que seja a parte responsável.
– O MinC rejeita veementemente a insinuação irresponsável e sem base nos fatos de que haveria “perseguição política” e “atentado à liberdade de expressão” no caso. A instituição está apenas cumprido a sua obrigação legal e ética, de modo técnico e isento.
– Também rejeita, com igual veemência, a acusação de que estaria fechado ao diálogo. Não há registro no Gabinete do Ministro ou no celular funcional do ministro de pedido de audiência por parte de Kleber Mendonça Filho. Para que houvesse audiência, teria sido preciso pedir.
– Por que a Cinemascópio não exerceu o direito de recorrer da decisão? Por que, em vez do caminho legal, institucional e administrativo, optou por pessoalizar a questão e tratá-la em redes sociais, com insinuações? São perguntas que só seus sócios podem responder.
– A sociedade brasileira exige de seus governantes respeito máximo à coisa pública, à ética e ao estado de direito, assim como à verdade. É o que a gestão atual do MinC pratica diariamente, de modo incansável, em relação a este e aos demais assuntos da pasta.
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura