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Peça resgata Alair Gomes, expoente da fotografia homoerótica

Espetáculo escrito por Gustavo Pinheiro entra em cartaz nesta sexta em SP, em apresentação que expõe poeticamente o corpo masculino

Por Mariana Oliveira
Atualizado em 6 out 2017, 10h20 - Publicado em 6 out 2017, 09h44
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  • Alair Gomes (1921-1992) foi muitos – engenheiro civil, crítico de arte, professor universitário, estudioso da filosofia, física, matemática, biologia e neuropsicologia –, mas ficou conhecido principalmente por seu trabalho como fotógrafo, atividade que começou a exercer às escondidas. Da janela de seu apartamento em Ipanema, o fluminense nascido em Valença, na região sul do Estado do Rio de Janeiro, produziu imagens que já ganharam espaço em grandes museus pelo mundo e tornou-se um expoente da fotografia homoerótica.

    Seu acervo foi cavoucado para a criação do espetáculo Alair, em expressão usada pelo próprio dramaturgo Gustavo Pinheiro, jornalista que deixou a profissão de lado para dedicar-se ao texto teatral. Depois de A Tropa, desembarca em São Paulo com a nova montagem, que teve uma temporada de quatro semanas no Rio de Janeiro. Alair entra em cartaz nesta sexta-feira, 6, no teatro Nair Belo, no Shopping Frei Caneca.

    A arte tem função de fazer pensar. O ideal é que a pessoa saia gostando ou não gostando de algo. O estranho é quando sai sem achar nada

    Gustavo Pinheiro

    A peça mergulha no universo de beleza e liberdade criado por Alair e dois de seus amores. No palco, o veterano Edwin Luisi contracena com Claudio Andrade e André Rosa. O corpo masculino, celebrado em mais de 170 000 negativos do fotógrafo, hoje pertencentes à Biblioteca Nacional, também é poeticamente exposto durante a apresentação.

     

    Como chegou à obra de Alair Gomes? Eu estava visitando uma exposição no Museu Europeu da Fotografia, em Paris, há dez anos, e entrei em uma sala enorme, toda branca, que tinha uma faixa de fotos com imagens tão pequenas que era preciso se aproximar para ver. Eram as fotos do Alair. Muitas! Eu fiquei louco com aquilo e achei absolutamente genial o trabalho dele. Comecei a ficar de olho e a colecionar livros e catálogos do Alair, e acabei escrevendo a peça no ano passado.

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    Como foi o processo de montagem? Durou mais ou menos um ano. O Alair era muito detalhista, e escrevia muito sobre arte, então deixou muito material para criar em cima. Ele escreveu praticamente até o dia em que morreu. A Biblioteca Nacional guarda os diários de 1954 a 1992.

    Você não chegou a conhecê-lo. Falou com as pessoas que conviveram com ele? Como não estava fazendo um documentário, não tinha a preocupação de ser absolutamente fiel, mas achei interessante conhecer alguns amigos dele. Falei com artistas plásticos, colecionadores, colegas, a curadora das obras dele e, a partir disso, construí um mosaico para a minha própria história. Afinal, o barato de escrever é criar.

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    Em tempos de defesa da cura gay, mostras de arte descontinuadas pela grita de conservadores e peça censurada por reler conceitos religiosos, como a obra de Alair pode ser interpretada? A peça se passa em três tempos. Um deles é a década de 1980, quando Alair faz uma viagem à Europa e escreve um livro chamado A New Sentimental Journey, que nunca foi publicado e ao qual eu tive acesso. Eu botei o prólogo do livro na primeira cena, em que Edwin fala para a plateia: “Já é hora do erotismo amadurecer no mundo”. Eu acho essa frase muito poderosa, e ela foi escrita em 1983. Como a gente precisa disso! Como precisamos acreditar que é a hora do erotismo amadurecer. Quantas decisões retrógradas estão sendo tomadas. É assustador. O discurso do Alair é sobre liberdade e beleza. O tempo todo ele escreve isso lindamente. Você vai à Biblioteca Nacional hoje e está cheio de jovem estudando a obra do Alair. Eu acho que são sintomas de que as pessoas estão indo atrás da obra dele para encontrar a sua liberdade. Ele foi tão discreto em vida, mas agora está dando liberdade para essas gerações.

    Acredito na inteligência e na sensibilidade da plateia. Não quer ver, não vai

    Gustavo Pinheiro

    Como você acha que o erotismo é visto hoje? Eu não quero parecer pessimista. A gente avançou em muita coisa, é inegável, o casamento gay é reconhecido pela Justiça, por exemplo. Tem o Ivan de A Força do Querer. Um personagem transgênero na novela das nove não é pouca coisa, né? Mas acho que, à medida em que avançamos, tem sempre gente que é contra, e aí surgem os movimentos assustadores de retrocesso.

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    É mais difícil falar de erotismo quando você o liga à homossexualidade? Eu não sei. A gente ainda lida mal com a sexualidade. O Edwin disse isso e eu acho que ele está certo. A sexualidade está muito mal resolvida na nossa sociedade. E é curioso porque o Alair morreu quase anônimo. Quer dizer, ele tinha a respeitabilidade da crítica e dos museus internacionais, mas, sem dúvida, ele é muito mais conhecido hoje do que quando viveu. Ele não falava sobre as suas fotografias com a irmã, por exemplo, que era a única parente que ele tinha. Era um tabu entre eles. E ela era uma tradutora de inglês, o quer dizer que era uma mulher culta do Rio de Janeiro. Então, eu não sei. Eu fecho com o Edwin. Acho que a sexualidade ainda é uma questão, embora isso seja inacreditável.

    Vocês já receberam alguma crítica ou denúncia pelo conteúdo da peça Alair? Não tenho nenhuma sombra de dúvida de que a obra do Alair e a nossa montagem é um grito. Um grito de inteligência, um grito de bom gosto. A gente está falando de temas como liberdade e beleza, que é quase inerente ao ser humano. Estarmos em cena em um momento como esse com uma peça como essa é muito bonito. A temporada no Rio de Janeiro foi muito bem-vista, no último dia deixamos 40 pessoas do lado de fora, e ninguém falou qualquer coisa que não fosse sobre a beleza e a atualidade do espetáculo.

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    Você acha que a arte tem alguma função de agradar? Agradar? Acho que não. A arte tem função de fazer pensar. O ideal é que a pessoa saia gostando ou não gostando de algo. O estranho é quando sai sem achar nada. Mas, agradar, com certeza, não.

    Tivemos na última semana outra polêmica, desta vez no MAM de São Paulo, durante a performance do Wagner Schwartz, que estava nu e teve o pé tocado por uma criança acompanhada da mãe. Qual a sua opinião sobre classificação indicativa nas artes e como isso funciona em Alair? Eu acho que a classificação indicativa, como o próprio nome diz, é uma indicação etária para o publico. Alair não deve ser assistido por uma criança de seis anos. Ela não vai entender, ela vai achar um saco. Não é para esse público. Não tem nada demais além do nu masculino que está totalmente contextualizado, mas obviamente a peça é indicada para maiores de 14 anos, que é o que o Ministério da Justiça recomenda para nus. Mas, em última instância, não quer, não vai. Se você vê uma peça em cartaz e pensa que o conteúdo dela vai te agredir, não vai. Se uma coisa me incomoda, eu não vou assistir. Quem não gosta de filme de terror não vê filme de terror. Mais uma vez volto ao Alair: liberdade. Vamos deixar as pessoas pensarem com o próprio cérebro. Não vamos ser teleguiados. Vamos deixar as pessoas construírem a sua sensibilidade. Vamos acreditar na inteligência do público. Estamos chegando a São Paulo sem 1 real de patrocínio, mas acreditando na inteligência e na sensibilidade da plateia.

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