Paul Auster, o escritor que amava Nova York
O autor morreu na terça-feira, 30, aos 77 anos, vítima de complicações de um câncer no pulmão
Em uma noite primaveril, Paul Auster, então com 8 anos, foi assistir a um jogo de beisebol do New York Giants, seu time do coração. Ao fim da partida, em um estádio já esvaziado, se deparou com seu ídolo no esporte, Willie Mays — e, reunindo toda a coragem de seu corpo pequenino, pediu a ele um autógrafo. “Claro, garoto. Você tem um lápis?”, perguntou o atleta, frustrando a criança que não carregava nada consigo. Naquela noite, Paul ficou sem autógrafo e passou a levar uma lapiseira para todos os lugares. “Se você tem um lápis no bolso, há uma boa chance de um dia se sentir tentado a usá-lo. Como gosto de contar aos meus filhos, foi assim que me tornei escritor”, proclamou certa vez o autor de A Trilogia de Nova York, morto na terça-feira, 30, aos 77 anos, vítima de complicações de um câncer no pulmão.
A trilogia de Nova York – Paul Auster
A invenção da solidão – Paul Auster
Nascido em Nova Jersey, em 1947, Auster se formou em literatura em Columbia e começou a carreira traduzindo obras francesas durante uma temporada em Paris. Seu primeiro trabalho autoral, A Invenção da Solidão, foi publicado em 1982, inspirado na relação com o pai, que acabara de morrer. Mas foi Cidade de Vidro (1985), volume inaugural de A Trilogia de Nova York, sua obra mais famosa, que o consolidou no universo literário como criador devotado à metrópole americana. Radicado no Brooklyn na década de 1980, Auster abraçou a cidade e fez dela personagem e cenário de boa parte de sua obra. Nem por isso, definitivamente, sua reputação era local: foi, inclusive, mais aclamado na Europa do que na terra de origem e é uma das raras importações americanas abraçadas pelos franceses.
Autor de mais de trinta livros, Auster brincava com as coincidências, o acaso e o destino. Suas tramas são protagonizadas de modo recorrente por escritores e intelectuais não confiáveis e marcadas por acontecimentos repentinos que alteram drasticamente a vida dos narradores, traçando discussões sobre identidade e existência. O apreço pelo tema veio de um trauma: aos 14 anos, durante uma caminhada na floresta, foi surpreendido, junto com outros adolescentes, por uma tempestade e viu um dos colegas morrer atingido por um raio. A experiência mudou sua vida para sempre ao escancarar a fragilidade do ser humano frente ao inesperado. Publicado em 2023, seu último livro, Baumgartner, acompanha um septuagenário encarando a própria mortalidade. Ele deixa esposa, filha, neto — e, felizmente, uma Nova York ainda mais literária.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891