Há três anos, as declarações do guitarrista Eric Clapton e do baixista Roger Waters mostravam que ambos estavam politicamente desafinados. Nos tempos da covid-19, Clapton abraçou com enorme fervor as teses furadas da extrema direita: criticou o distanciamento social e deu entrevistas duvidando da eficácia da vacina. Foi chamado de reacionário para baixo na fogueira das redes. Já o ex-baixista do Pink Floyd sempre foi conhecido por fazer coro a pontos de vista de uma esquerda psicodélica e incoerente, apoiando o ditador da Venezuela Nicolás Maduro e o autocrata russo Vladimir Putin. Waters é de longa data crítico da política de Israel com relação à Palestina e aumentou o volume durante o atual conflito na Faixa de Gaza.
![2—12247906_993497287360743_8755890364242675996_o.jpeg BARRADO - Waters: hotéis na América do Sul não aceitaram reservas](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/2-12247906_993497287360743_8755890364242675996_o.jpeg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
A surpresa é que Clapton, o negacionista, passou a concordar nos últimos tempos com o colega. Recentemente, por exemplo, fez um show com uma guitarra pintada com a bandeira da Palestina em Londres. Sobre as ações terroristas do Hamas, no entanto, até agora silêncio absoluto do astro. Muitos fãs reclamaram, argumentando que não era possível o ídolo comportar-se dessa forma, no mínimo, ingênua. Waters igualmente recebe pedradas constantes por causa da sua verborragia. No fim do ano passado, durante turnê dele pela América do Sul, hotéis no Uruguai e na Argentina cancelaram reservas do baixista devido a suas críticas pesadas à reação de Israel ao ataque do Hamas que iniciou o conflito na Faixa de Gaza.
Nothing But the Blues – Eric Clapton [Disco de vinil]
O posicionamento de artistas em relação a causas variadas é uma tradição, a exemplo das manifestações do beatle George Harrison contra a fome em Bangladesh ou, mais recentemente, de Angelina Jolie em prol da educação de crianças pobres. Manifestar-se publicamente a respeito desses problemas, com desdobramentos como shows beneficentes, sempre fez parte da cartilha das celebridades e era bem menos arriscado do que falar de política em meio ao mundo polarizado da atualidade. Quando o assunto divide opiniões, parte dos fãs fatalmente irá torcer o nariz.
![2RH4D52_fotoarena.jpg MODERADA - Gadot: ela pediu paz e acabou “bombardeada”](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/2RH4D52_fotoarena.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Não foi apenas a dupla Clapton e Waters que se enroscou feio falando de forma superficial sobre a complexa guerra em curso no Oriente Médio. Quando o bárbaro ataque dos terroristas do Hamas ocorreu em Israel, a opinião pública ficou imediatamente a favor do país, com declarações de astros como Madonna e Natalie Portman. Conforme a reação de Israel ficou mais dura, causando a morte de milhares de civis na Palestina, os humores mudaram de lado e as críticas vieram. Moderada, a israelense Gal Gadot, por exemplo, desagradou a gregos e a troianos ao fazer uma simples declaração em favor da paz — judeus a criticaram por não ser mais clara em apoiá-los, já os palestinos a acusam de ser sionista. Resultado: a atriz foi “cancelada”.
The Wall – Roger Waters [Disco de vinil]
Em alguns casos, a punição transcende o ambiente das redes sociais, descambando para boicotes no mundo real. Aí é prejuízo na certa para as carreiras. A atriz Melissa Barrera foi demitida do elenco de Pânico 7 após fazer um comentário pró-Palestina nas redes. Vencedora do Oscar, Susan Sarandon caiu na mesma malha fina, por externar posição parecida: acabou sendo dispensada da renomada agência de talentos United Talent Agency (UTA).
![GettyImages-2151802934.jpg ISENTONA - Zendaya: apupos no TikTok pelo silêncio em relação ao conflito na Faixa de Gaza](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/GettyImages-2151802934.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Palestina: um século de guerra e resistência – Rashid Khalidi
A saia justa chegou à mais recente edição do Festival de Cannes deste ano, quando os organizadores pediram às estrelas que evitassem polêmicas. Cate Blanchett descumpriu a ordem de maneira elegante. Sob as fendas de seu modelito preto e branco assinado por Jean Paul Gaultier, um cetim na cor verde contrastava com o vermelho do tapete de honra, formando as cores da bandeira palestina. Para bom entendedor, só um vestido basta. Pelo menos, até agora, Cate escapou ilesa de qualquer linchamento.
![GettyImages-2153870626.jpg SUTIL - Cate Blanchett: contrariando o Festival de Cannes, a estrela fez uma manifestação política, mas discreta](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/GettyImages-2153870626.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Não se posicionar também pode ser um problema. Recentemente, a atriz Zendaya foi acusada pelos ativistas do TikTok de praticar o silêncio no Met Gala, onde usou uma roupa que lembrava a dos opressores da distopia Jogos Vorazes. A expectativa no mundo virtual era que ela gritasse em prol dos palestinos. Sábio mesmo é Leonardo DiCaprio, que fez do meio ambiente sua causa pessoal — os cancelamentos nesse tema, em geral, são bem mais raros.
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898