Novo ‘Star Wars’ tem nostalgia, mensagem antifascista e até selinho gay
'A Ascensão Skywalker', final da saga iniciada em 1977, não será uma unanimidade entre os fãs aguerridos. Mas é, sim, uma conclusão digna
Star Wars: A Ascensão Skywalker, nono episódio da franquia mais cultuada do cinema, estreia mundialmente nesta quinta-feira 19 com a dura missão de oferecer um final convincente para a saga iniciada em 1977 por George Lucas. Não será, como nenhum outro desfecho alternativo poderia vir a ser, uma unanimidade. Tanto é assim que a produção dirigida e co-roteirizada por J.J. Abrams nem estreou e já provoca muxoxos da parte dos fãs mais aguerridos de Star Wars, entrincheirados principalmente no mundo nerd.
Mas A Ascensão Skywalker se revelará um final digno para espectadores que – como este resenhista – sempre foram consumidores fiéis dos filmes da saga, mas nunca esperaram deles mais que uma diversão eficiente e nostálgica. Sim, confesso que me enquadro na massa de pessoas que só anualmente vão se recordar, com insuspeita empolgação, das siglas que dão nomes àqueles droids fofinhos – como R2-D2, C-3PO e, agora, o novo e minimalista D-O.
Os itens que podem incomodar os fãs “raiz” de Star Wars são previsíveis. Na pele dos heróis Finn e Poe, John Boyega e Oscar Isaac passam a galáxias de distância do carisma dos tipos masculinos clássicos da saga. Como já ficara patente no episódio anterior, Star Wars também se ressente em sua reta final da ausência daquele que sempre foi seu grande personagem, o vilão sem rosto Darth Vader.
Haverá quem se irrite, ainda, com o voluntarismo do roteiro de Abrams e Chris Terrio ao explorar a memória sentimental acumulada ao longo dos 42 anos de Star Wars. Personagens (vivos ou mortos), cenários, bordões e situações que marcaram os oito episódios anteriores são reverenciados copiosamente. Essa tendência – aliada aos diálogos pueris – confere ao novo Star Wars uma superficialidade de aventura juvenil. Mas não é isso, no fundo, o que a saga sempre ofereceu? Sejamos francos: os momentos em que as produções de Star Wars tocaram camadas mais profundas do solo de seus planetas de mentirinha, de Tatooine ao novo Pasaana, não foram só ilusões de ótica turbinadas pelos efeitos visuais?
A Ascensão Skywalker não exibe a eficácia de O Despertar da Força, estupendo episódio de 2015 que abriu a última trilogia da franquia (também dirigido por Abrams), na tarefa de agradar tanto plateias infantis quanto fãs adultos que gostam de cinema “de conteúdo”. Mas está longe de ser uma bobagem descerebrada – como o foram os episódios da trilogia que marcou a volta da série, entre 1999 e 2005. Pode relaxar, leitor: o infame Jar Jar Binks não está de volta.
O novo filme tem, por outro lado, pontos preciosos a seu favor. Não decepciona num quesito que é da essência da série: o virtuosismo nos efeitos visuais. Algumas sequências merecem lugar entre as mais antológicas da saga de George Lucas. Toda a passagem dos personagens pelo planeta Pasaana é um deleite, da colorida festividade no deserto empreendida por seus esquisitos habitantes à espetacular perseguição em ritmo de rally em suas areias desérticas. É não menos acachapante o cenário do mar bravio que cobre outro planeta visitado pela heroína Rey (Daisy Ridley) – onde ela terá um encontro épico com o inimigo Kylo Ren (Adam Driver).
Ainda na seara dos efeitos, A Ascensão Skywalker impressiona também pela notável capacidade de manter em cena um de seus personagens clássicos, a despeito da morte de sua intérprete. As cenas pré-gravadas de Carrie Fisher (morta em 2016) como a Princesa Leia se esgotaram, mas isso não impede sua participação forte na trama. A recriação do rosto de Carrie por meio da computação é um elemento mórbido, sem dúvida – mas, acima de tudo, um feito da manipulação visual.
O último episódio de Star Wars revela-se, por fim, o mais politizado de todos. Desde o início da franquia, a batalha entre um Império opressivo e as forças da resistência intergalática poderia ser interpretada como uma alegoria da oposição entre o totalitarismo e a liberdade democrática. Mas a luta entre o Bem e o Mal ganhou atualidade e ressonância incrível diante da ascensão do populismo e de tendências autoritárias em vários países.
O roteiro de J.J. Abrams realça essa correspondência, ainda que de forma sutil. A heroína Rey revela-se numa encruzilhada entre o lado da luz e da razão – ou a atração pelas trevas, alimentada pelo ódio e pelo ressentimento. A Ascensão Skywalker mostra que a rendição ao autoritarismo e ao neo-fascismo não é um caminho inescapável. Unidos, aqueles que resistem terão força suficiente para impedir seu avanço, defendem os personagens.
O que falta para provar que Star Wars chega a seu final antenada com questões dos dias de hoje? Bem, há lacração. Lá pelo desfecho, tem um… beijo gay! Ou melhor: um selinho, como reza a cartilha do decoro de uma produção da Disney.