Em meados de 2019, o humorista e influenciador digital Whindersson Nunes, de 28 anos, surpreendeu seus fãs ao revelar que sofria de depressão. Como parte do tratamento, buscou auxílio no boxe — esporte que nunca praticara, mas adorava acompanhar. Nos anos seguintes, Nunes compartilhou com seus 59 milhões de seguidores no Instagram (ele também tem mais de 4 bilhões de visualizações no YouTube) sua excruciante rotina de treinamentos. Ao final, confiante, desafiou — a princípio, em tom de brincadeira — ninguém menos do que o tetracampeão mundial aposentado Acelino Freitas, o Popó, que topou a peleja. Ocorrida no ano passado, a luta terminou empatada, mas despertou em Nunes o interesse por participar de uma nova tendência que está movimentando o milionário mercado de pay-per-view nos Estados Unidos: as lutas entre celebridades da internet. “Parei minha carreira toda para me dedicar a isso”, revelou à época.
Para além da injeção de adrenalina no ego dos participantes, as rinhas de boxe entre influencers viraram um negócio global. Está longe do clássico conceito de nobre arte, é verdade, pois vem com pintadas daquelas marmeladas das lutas livres coreografadas, mas inegavelmente se tornou um sucesso de público. De um lado, o influenciador cria conteúdos para seus seguidores e atrai patrocinadores, vende pacotes de pay-per-view e ingressos para as lutas, além de movimentar sites de apostas. De outro, o boxe recebe uma nova audiência, num momento importante para a modalidade, principalmente entre os jovens, que migraram nos últimos tempos para as refregas dos octógonos do MMA.
A nova tendência ganhou força com o americano Jake Paul, em 2020. Dono de 20 milhões de seguidores no YouTube, ele usou sua influência para promover uma luta entre os aposentados Mike Tyson e Roy Jones Jr. Paul também decidiu lutar e desafiou o jogador de basquete Nate Robinson. O resultado deu tão certo (Paul venceu) que apostou em novas lutas. A mais recente, há nove meses, foi contra a lenda brasileira Anderson Silva, o Spider, de 48 anos. Paul nocauteou Silva no último assalto. Mais brasileiros entraram na onda, como o ex-BBB Yuri Fernandes, o youtuber Christian Figueiredo e o funkeiro Dynho Alves, cujas músicas embalam propagandas em sites de aposta. “Isso não é esporte, é entretenimento”, diz Sérgio Batarelli, empresário do boxeador Esquiva Falcão, medalhista olímpico em 2012. Falcão também lutou (e ganhou) recentemente contra Yuri Fernandes. “Ele fez pelo dinheiro, óbvio”, afirma Batarelli.
De lá para cá, outras disputas esdrúxulas surgiram, como um curioso campeonato entre tiktokers e youtubers que movimentou 10 milhões de dólares em pay-per-view. Mas o que está chacoalhando mesmo esse universo é o campeonato High Stakes, promovido pela empresa inglesa Kingpyn. Com oito homens e oito mulheres (e um total de seguidores que ultrapassa 210 milhões de pessoas), o torneio premiará o vencedor com um cheque de 200 000 dólares. Favorito, Whindersson Nunes está na semifinal. No próximo dia 15, na Irlanda, ele lutará com o youtuber King Kenny. Do lado feminino, na mesma data, a musa fitness brasileira Jully Poca enfrentará a britânica Elle Brooke, famosa por conteúdos sensuais no OnlyFans. No Brasil, as lutas serão transmitidas pelo canal Combate.
A mania chegou tão longe que poderemos ver em breve um combate entre os bilionários Elon Musk, dono da Tesla e do Twitter, e Mark Zuckerberg, do Facebook e Instagram — naquela que já está sendo considerada a luta do século. Fanfarrão, Musk desafiou Zuckerberg para a disputa após ver um vídeo dele num torneio de jiu-jítsu. O concorrente mandou avisar que aceita a briga e sugeriu como cenário o Coliseu, em Roma, com a renda revertida para a caridade. Difícil pensar num palco mais adequado para os gladiadores da era digital.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849
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