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Mulheres que Correm com os Lobos ilumina best-sellers que não saem de moda

Lançada 30 anos atrás, obra encontrou nos dias atuais leitoras ávidas por seu conteúdo emancipador — garantindo ao livro um lugar entre os “long-sellers"

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h27 - Publicado em 26 fev 2021, 06h00
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  • Diz a mitologia que a deusa grega Ártemis — conhecida como Diana entre os romanos — fez um pedido especial ao pai, Zeus. Ela exigiu o mesmo tratamento dado a seu irmão gêmeo, Apolo. Quis um arco e flecha igual ao dele, e também pediu ninfas como acompanhantes — impondo a condição de que tanto ela quanto essas jovens permanecessem intocadas pelos homens. Por fim, sugeriu que seu pai poderia lhe dar algumas cidades, embora desejasse mesmo era possuir todas as montanhas do mundo. Arrebatado pela força da filha, Zeus concedeu seus desejos. Ártemis, então, foi exaltada como deusa da Lua e da fertilidade, protetora das mulheres, além de impiedosa caçadora. A personagem foi chamada de “genuína mulher-loba” pela autora e psicóloga Clarissa Pinkola Estés, de 76 anos. A deusa valentona reforça a lista de dezenas de heroínas extraídas dos mitos e contos de fadas que povoam o popular livro da autora, Mulheres que Correm com Lobos (Rocco). Ao associar lendas aos hábitos do animal selvagem do título, alinhavando tudo com pílulas do “pai” da psicologia analítica, Carl Gustav Jung (1875-1961), Clarissa instiga nas leitoras a valorização da intuição e dos instintos femininos — qualidades naturais que teriam sido negligenciadas e caladas por séculos de opressão masculina.

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    Publicado originalmente em 1993 nos Estados Unidos, desembarcando um ano depois no Brasil, o livro se tornou sensação imediata, alcançando o status de best-seller. Vinte e cinco anos depois, em 2018, a obra ganhou fôlego renovado em diversos países, impulsionada pela nova onda feminista. Desde então, só cresceu: em 2020, com 144 000 cópias comercializadas, foi o segundo livro mais vendido do ano no Brasil, atrás só de Mais Esperto que o Diabo, de Napoleon Hill, e à frente de 1984, de George Orwell, o terceiro colocado. Curiosamente, esses autores tão distintos têm em comum o fato de pertencer a uma categoria valorosa para o mercado editorial: a dos “long-sellers”. O fenômeno se refere às obras que, décadas após o lançamento, não perdem seu apelo junto às novas gerações de leitores, mantendo assento cativo nos rankings de mais vendidos.

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    Os “long-sellers” são clássicos imortais não só por sua resiliência à passagem das décadas: os melhores deles ganham significados inesperados conforme os ares de cada tempo. Como diz o surrado clichê, são obras que “seguem atuais”. Da ficção à autoajuda, não é difícil captar a força dos principais “long-sellers” do presente. O livro de Orwell ganhou impulso com a recente percepção sobre a fragilidade das democracias, enquanto O Diário de Anne Frank se tornou um alerta contra os horrores do nazismo (e dos totalitarismos em geral). Já os pioneiros gurus motivacionais Hill e Dale Carnegie oferecem consolo em tempos de crise econômica (veja o quadro acima).

    Eles não saem de moda
    Confira quatro “long-sellers”, livros populares do passado que conquistam leitores há décadas — e estão em alta de novo no Brasil de 2021

    Emily Brontë
    Emily Brontë – (./Shutterstock)

    Emily Brontë
    Única obra assinada pela autora, morta de tuberculose aos 30 anos, O Morro dos Ventos Uivantes (1847) renovou apelo ao ser citado em Crepúsculo (2010)

    Dale Carnegie
    Dale Carnegie – (./Getty Images)

    Dale Carnegie
    O americano lançou Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas nos anos 30, sob a sombra da Grande Depressão. A crise econômica do presente deu novo fôlego à obra

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    George Orwell
    George Orwell – (Rue des Archives/AFP)

    George Orwell
    Na distopia 1984, publicada em 1949, o inglês faz um alerta contra o autoritarismo. A nova onda de movimentos populistas reacendeu as vendas da obra

    George Orwell
    Anne Frank – (FRA-Amsterdam/.)

    Anne Frank
    No diário escrito entre 1942 e 1944, a jovem judia alemã relata as agruras da II Guerra. Em domínio público, o livro, de 1947, ganhou edições mais acessíveis

    Mulheres que Correm com Lobos surfa, evidentemente, no espírito da era do #MeToo. Sua volta com tudo às listas de best-sellers ocorre num momento em que as redes sociais amplificam as reivindicações das mulheres e fabricam novos símbolos. Não demorou para que o livro caísse nas graças de celebridades, de Emma Watson a Vera Fischer, que publicam fotos e trechos do texto em seus perfis abundantes de likes, aumentando o burburinho em torno da obra. Mulheres que Correm com Lobos, porém, passa longe de ser tão-somente um acessório banal para a selfie perfeita.

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    Nascida no estado americano de Indiana, Clarissa ostenta ascendência indígena e mexicana. Aprendeu o espanhol ainda criança, antes de ser adotada, aos 4 anos, por imigrantes húngaros. A mescla cultural a levou a conviver desde cedo com lendas latinas, nativas americanas e europeias. Ao se tornar psicóloga, ela levou essa bagagem de vida para seus estudos, aprofundando-se nos padrões sociais em culturas tribais e analisando-os à luz das teorias de Jung. Na visão da autora, as pessoas vivem em busca de conciliar em si mesmas uma natureza própria com a influência do meio onde vivem — e, para libertar a si mesmas, as mulheres devem resgatar os “arquétipos” femininos ancestrais.

    A partir dessa teoria, Clarissa desenvolveu métodos para que elas possam se redescobrir sem a “sombra patriarcal”. No livro, a autora propõe uma “escavação psíquico-arqueológica nas ruínas do mundo subterrâneo feminino”. Para isso, ela se vale de mitos e lendas que apontam caminhos para a emancipação. O conto Barba Azul se torna uma analogia para mulheres em relacionamentos abusivos. Já a associação com os lobos é extensa. Segundo Clarissa, as mulheres e o bicho em questão têm em comum a percepção aguçada, a capacidade de devoção e a curiosidade, além de resistência e força. Fêmeas de ambas as espécies também são historicamente perseguidas e acossadas. “É um livro poderoso que ajuda a leitora a se livrar de amarras sociais e culturais que mais a domesticam que potencializam”, diz a psicanalista Manuela Xavier. Ao deparar com a obra, Manuela, de 32 anos, tomou coragem para se divorciar e mudar de casa. Em seguida, idealizou o Alcateia Feminista, grupo com mais de 1 000 participantes que leem livros sobre mulheres por um prisma psicológico. Não há dúvidas: as mulheres-lobas estão à solta.

    Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727

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