Entusiasmo e nenhum segredo sempre foram os ingredientes principais da fórmula que Marcello Nitsche encontrava para a sua arte. Crítica e ironicamente, este artista, que morreu neste domingo, aos 74 anos, propunha muitos níveis de leitura, mas, por pressuposto, desautorizava todos eles.
Desde os anos 1960, com obras que ficaram na história da arte pop brasileira como Eu Quero Você (1966), emblemática pintura-objeto que representa a mão do Tio Sam, o inesquecível inflável gigante Bolha Amarela (1969), a sua participação na mostra Nova Objetividade Brasileira (1967) e em muitas outras; até a exposição Alegres Saudações na Galeria São Paulo (1981) e a sua última retrospectiva Lig Des (2015), no Sesc Pompeia, Nitsche sempre atendeu, de certa forma, à expectativa do público por algo prazeroso, divertido e vital. Algo que tivesse qualidade e inteligência suficientes para não evocar, por mais que se tentasse, qualquer tipo de radicalismo, exigência ou rigidez intelectual.
Como todos os artistas de sua geração, Nitsche viveu igualmente a história e o processo da Bienal de São Paulo, mesmo em seus momentos mais difíceis, como o boicote que atingiu a décima edição, durante a ditadura militar em 1969.
Naquela época, apesar do constrangimento, muitas personalidades atuantes (e militantes), entre as quais o crítico Mário Schenberg e artistas como Carmela Gross e Nitsche tiveram a lucidez de escolher participar da mostra. Não porque fossem alienados politicamente. Muito ao contrário. O que queriam, na verdade, era exercer a liberdade da arte.
Marcello Nitsche possuía uma tradição muito definida no campo da irreverência, humor e reflexão: Costura da Paisagem, Vacas de Concreto em Ibiúna, a Garatuja da Praça da Sé, os Fragiles na Cooperativa dos Artistas Plásticos e tantos outros, são trabalhos que estabelecem uma relação de troca com o ambiente, a cidade. E todos eles sempre tecem, de uma forma ou de outra, um comentário pertinente sobre a atividade artística.
(com Estadão Conteúdo)