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Melhem x Calabresa: por que as mensagens íntimas dele incomodam tanto?

Acusado de assédio sexual utiliza uma impressionante quantidade de diálogos, áudios e fotos arquivados por ele no WhatsApp para se defender

Por Sergio Ruiz Luz Atualizado em 12 abr 2024, 15h13 - Publicado em 21 abr 2023, 13h27

Maior escândalo sexual dos últimos tempos envolvendo celebridades da TV brasileira, as acusações contra o ator e ex-diretor global Marcius Melhem seguem sem conclusão, mesmo passados mais de dois anos do início de um processo na Justiça Cível movido por ele contra Dani Calabresa por danos morais e de um inquérito aberto para apurar as denúncias das supostas vítimas na Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro, Deam. Melhem perdeu o emprego na emissora e ficou com a honra arranhada de forma quase irremediável, mas até hoje não foi sequer indiciado. Fora dos tribunais, várias das acusadoras vieram a público rememorar recentemente as denúncias e foram recebidas em Brasília pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e pela primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. Por outro lado, à medida em que os fatos se tornaram mais conhecidos, as supostas vítimas passaram a ser atacadas nas redes sociais e chamadas de “denunciantes de Taubaté” e comparadas ao caso Amber Heard.

De forma indignada e sistemática, Melhem tem se defendido de cada uma das acusações com uma impressionante coleção de provas. São centenas de mensagens, áudios, fotos e vídeos guardados por ele no celular nos últimos anos. Tudo isso também faz parte do processo, integrando principais peças de defesa dele no caso. Num vídeo publicado nas últimas semanas, Melhem faz uma defesa completa e não deixa uma vírgula sem resposta: https://www.youtube.com/watch?v=HaACfsWmeLw.

Em termos de credibilidade das denúncias, o efeito desse tipo de divulgação é devastador.  Quando uma das supostas assediadas vem a público dizer o quanto ele era cruel e inconveniente, Melhem imediatamente responde mostrando mensagens de WhatsApp enviadas a ele pela mesma mulher elogiando seu comportamento, como ocorreu recentemente com a atriz Georgiana Goes. “Só para dizer que te amo, que sou muito orgulhosa de você e do jeito como você leva as coisas, com doçura, amor e ética. Você vai cada vez mais longe. Muitos parabéns. Boa sorte neste novo ciclo, meu amorzão. Outra vez, a gente combina de você vir para cá ou de eu ir para lá na casa da serra e a gente junta um povo animado. Te amo. Parabéns”, disse ela em um áudio enviado a Melhem em 28 de setembro de 2018, um ano antes de as denúncias virem à tona.

Sobre Dani Calabresa, o ex-diretor global exibiu mensagens trocadas entre eles de cunho sexual, inclusive depois de uma festa em que ela o acusa de ter praticamente tentado violentá-la num canto escuro de um bar durante uma balada de comemoração do elenco de humor da Globo  Em depoimento, quando questionada sobre essas mensagens, Calabresa disse que alimentava esse tipo de comunicação picante pelo seguinte motivo: “Deixa ele me cantar. Deixa me chamar de gostosa. Para mim era uma vantagem. Prefiro continuar brincando com meu chefe tarado do que comprar briga com ele”. Na mesma noite em que teria tentado atacar de forma violenta a atriz, aliás, Melhem já provou que ela omitiu da Justiça em seu depoimento a participação na cena da melhor amiga de Calabresa, Maíra Perazzo. Ela conta ter visto Melhem e Calabresa se beijando e que se juntou à dupla. Em depoimento, essa amiga afirma ainda que estava hospedada no apartamento de Calabresa e que, na volta da balada, ela não comentou nada sobre o suposto ataque de Melhem: “Ela (Dani) mais comentava das coisas divertidas da festa, não sei se ela teve algum bloqueio de falar depois (…) E ela contava mais, ela contou que ficou com o Pedro, que era uma pessoa que ela queria ficar, né?”, contou Maíra ao juiz (o Pedro em questão é um operador de câmera da Globo)”.

Maíra Perazzo depôs na Justiça a pedido da defesa de Melhem. Sobre a participação da amiga na cena, Dani Calabresa justificou que a puxou para os braços de Melhem como forma de se livrar do assédio dele na festa, mas sem explicar qual seria a lógica de atirar a melhor amiga nos braços de um homem que estava agressivo e disposto a tudo para obter sexo naquela noite. Ao comentar com Melhem o envolvimento dele com Maíra, Dani Calabresa brinca com o episódio, dizendo que vai mandar a amiga embalada de presente para ele. Coincidência ou não, um mês depois da balada, como comprovaram as mensagens armazenadas no celular do ex-diretor, Maíra foi ao Rio de Janeiro e ficou novamente com Melhem, no apartamento dele.

A cada divulgação desse tipo feita por Melhem, as denunciantes não entram no mérito do caso em questão, preferindo rebater de forma genérica a postura dele. Queixam-se de que “a exposição de mensagens, cuidadosamente editadas para contar uma narrativa deturpada, é uma conhecida tática de abusadores, como se a reação de uma pessoa em conversas de WhatsApp fosse o único elemento para configurar ou não o assédio. Tem método: tenta-se silenciar as vítimas e testemunhas a partir de ameaças, intimidações e exposição. Os fatos continuam os mesmos: Marcius Melhem cometeu sucessivos episódios de assédio e foi demitido após o compliance concluir que ele violava o código de ética da empresa quando era chefe”.

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Curiosamente, quem trouxe à tona essa história foram justamente as denunciantes, as mesmas que agora se queixam da lavagem de roupa suja feita na imprensa. A primeira grande reportagem sobre o caso apareceu em outubro de 2020 na Folha de S.Paulo com a advogada Mayra Cotta, representante das supostas assediadas. Ela não citou na ocasião os nomes das clientes, justificando que elas deveriam ser preservadas, mas apontou o dedo para Marcius Melhem, acusando-o de ter atuado de forma violenta contra várias atrizes. Meses depois, uma extensa reportagem da revista Piauí detalhava o que teriam sido os ataques de Melhem. Na abertura da matéria consta o suposto ataque ocorrido na balada do elenco da Globo, mas sem mencionar a participação da amiga na cena, Maíra Perazzo. A reportagem narra ainda um episódio que Melhem demonstrou depois na Justiça não ter ocorrido: ele provou que era falsa a acusação da revista de que tentou ver Dani Calabresa em traje de banho no camarim do Projac, já que a gravação ocorreu em uma praia. As denunciantes contribuíram para essa matéria na condição de anonimato e, após a publicação, Dani Calabresa endossou o conteúdo com uma postagem nas redes sociais.

Embora não tenha sido o primeiro a procurar a imprensa para falar sobre o caso, Melhem tomou a dianteira na atitude de levar o episódio para Justiça, abrindo o processo por danos morais contra Dani Calabresa. Ou seja, curiosamente, ao contrário do que geralmente ocorre, foi o denunciado que iniciou a busca por reparação. Na época da reportagem da Piauí, a advogada Mayra Cotta declarou que suas clientes “não queriam judicializar o caso”. No final do ano passado, Cotta acabou sendo condenada em primeira instância por um comitê de ética da OAB por usar a história para fazer propaganda do serviço de consultoria da qual era sócia (ela está recorrendo da sentença). Segundo a sentença, uma das infrações éticas da advogada foi a de ter divulgado serviços de advocacia juntamente com a de outras atividades.

Nos últimos dias, ocorreram desdobramentos importantes do caso Calabresa x Melhem. A pedido de sua equipe de advogados, sete das supostas vítimas prestaram novos depoimentos na delegacia. O inquérito na Deam começou com oito denunciantes, mas uma delas, Suzy Pires, não voltou à Deam e estaria inclinada a se afastar da discussão. Outra suposta vítima de ataques, Debora Lamm, em seu primeiro depoimento à Justiça, não relatou nenhum episódio de assédio sexual. O grupo que procurou a Deam ainda inclui duas mulheres que afirmaram terem mantido relações consentidas com Melhem.

As supostas vítimas relatam que Melhem tinham um comportamento abusivo sistemático. Quem não cedia às investidas, segundo elas, era escanteada na Globo, dado o poder dele dentro da emissora na época. Melhem relativiza esse poder sobre as atrizes, mostra que as carreiras delas não foram prejudicadas por obra dele e atribui as denúncias a uma vingança das mulheres provocada por desavenças profissionais e amorosas. No caso de Dani Calabresa, o estopim ocorreu em maio de 2019, quando a atriz não escondeu a insatisfação por não terem levado adiante uma proposta de programa no formato que ela havia sugerido. Pouco tempo depois disso, ela procura o compliance da Globo para acusar Melhem. As denúncias ganham corpo e viram um movimento dentro da emissora, tendo à frente duas ex-namoradas dele.

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A emissora encerrou o contrato do ex-diretor em agosto de 2020 em comum acordo, com uma nota elogiando a contribuição profissional dele. Posteriormente, em carta remetida à Deam em janeiro de 2021 falando sobre a saída de Melhem, a diretora de compliance da emissora diz que a Comissão de Ética da Globo, “tendo em vista as alegações de práticas abusivas  por parte do sr. Marcius Melhem”,  decidiu recomendar a “perda do cargo de gestão” e o “afastamento completo do profissional por um prazo de 180 dias”. Questionado várias vezes sobre a carta em questão, Melhem destacou que em nenhum momento ela fala em assédio sexual e continua sustentando que o desligamento ocorreu de comum acordo, conforme o comunicado oficial divulgado pela emissora na época.

Procurado pela reportagem de VEJA para falar sobre os novos desdobramentos do caso na Deam, Melhem atribuiu o movimento a um pedido antigo da acusação para que as supostas vítimas refaçam seus depoimentos. “E isso se justifica por duas razões. A primeira é tentar consertar as mentiras já desmascaradas e criar novas versões para elas. Afinal, existem quilos de provas e duas dezenas de depoimentos que desmentem a narrativa ficcional da acusação. A segunda é mais uma vez protelar, adiar, travar o inquérito, enchê-lo de páginas, fazer o possível para a Justiça não andar, enquanto buscam pressão na política e na opinião pública. Amarram a Justiça para depois chamá-la de lenta. Um deboche com a sociedade que, cedo ou tarde, será exposto. A acusação torce pra que se julgue a causa. Mas o que está em julgamento é o caso. E eu sigo confiando na Justiça que eu procurei e Dra Mayra Cotta dizia não querer. Até ter que lidar com ela”.

A reportagem de VEJA também procurou a advogada Mayra Cotta com as seguintes questões:

Por qual motivo 7 de suas clientes voltaram à Deam nos últimos dias para prestar novos depoimentos?

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Uma das oito denunciantes, Suzy Pires, não prestou novo depoimento, por qual motivo? Ela não estaria mais disposta a representar contra Melhem, conforme se noticiou?

Em notas enviadas à imprensa, a Sra. e outros representantes do caso criticam a exposição pública de mensagens íntimas feitas por Melhem. Esse tipo de crítica faz sentido, tendo em conta que a exposição pública feita sobre o caso começou com denúncias publicadas citando Melhem em veículos como Folha de S. Paulo e Piauí, tendo a senhora como uma das fontes dessas reportagens que detalharam os supostos ataques e abusos?

Em resposta enviada a VEJA, Mayra Cotta não quis comentar o caso Suzy Pires, recomendando que a revista entrasse em contato direto com ela (por meio de sua assessora de imprensa, Suzy Pires disse que o caso segue em segredo de Justiça e que, por isso, não iria comentar). Sobre as demais questões, a advogada Mayra Cottra enviou a seguinte nota:

“O caso Marcius Melhem reúne quase duas dezenas de pessoas, homens e mulheres, entre vítimas e testemunhas e será um grande exemplo da resposta que a Justiça pode dar à sociedade em casos de assédio sexual. Entendemos e respeitamos que o processo tem tempo próprio, mas confiamos no Judiciário brasileiro para que, dois anos depois da abertura do inquérito, esta resposta venha logo, à altura do que um caso emblemático como esse exige.”

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Assinam

Mayra Cotta

Antônio Carlos de Almeida Castro

Marcelo Turbay

Davi Tangerino

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