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‘Medida Provisória’ expõe mal-estar com Brasil que elegeu Bolsonaro

Dirigido por Lázaro Ramos e com Taís Araújo no elenco, longa imagina uma realidade em que negros são expulsos do país

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 abr 2022, 16h46 - Publicado em 14 abr 2022, 10h28
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  • Uma mulher branca, com roupa social e cabelo em coque entra num escritório com ares de abandono e estabelece ali seu local de trabalho. Trata-se de Isabel (Adriana Esteves), funcionária de uma nova pasta do governo, o Ministério da Devolução, que vai oferecer aos negros brasileiros, chamados de “pessoas de melanina acentuada”, uma passagem só de ida para a África. “O seu país de origem, no continente africano, te aguarda”, diz ela, sorridente, numa reunião inicial com os moradores do bairro. A cena marca uma ruptura no filme Medida Provisória, em cartaz nos cinemas: até ali, lentamente, os de melanina acentuada expõem o racismo e até ironizam as patacoadas ditas pelo governo; depois, as piadas somem para dar espaço à corrida pela sobrevivência. O que era uma sugestão do tal ministério se torna uma medida provisória aprovada pelo Congresso para que todos os negros do país sejam deportados, querendo ou não, rumo à África – um “presente” para reparar o erro histórico dos portugueses, que trouxeram seus ancestrais ao Brasil.

    A virada é um empurrão valioso para o roteiro coescrito pelo diretor estreante em longas-metragens, o ator Lázaro Ramos. A primeira parte do filme descortina o racismo velado (e o explícito) da sociedade brasileira, enumerando com delonga muitas das frases e casos ouvidos, infelizmente, com constância no noticiário e nas redes sociais. Quando a aparência cortês dos racistas cai por terra, o que surge é um filme pulsante e criativo, que dá ao elenco força para agarrar o espectador pelo colarinho e ora chacoalhá-lo, ora carregá-lo consigo pelas vielas de um mundo que, apesar de distópico, é assustadoramente real.

    O trio de protagonistas, aliás, é admirável. Taís Araújo é a médica Capitu, que mora com o marido, Antonio, um advogado interpretado por Alfred Enoch, e com André, um jornalista independente feito por um Seu Jorge à flor da pele. Enquanto André vive em constante estado de ebulição, Antonio prefere o diálogo em vez do confronto. Já Capitu vê no excesso de dedicação o atestado de pertencimento que constantemente lhe é negado por causa da cor de sua pele. Ao serem perseguidos pelas autoridades, os três se veem diante da necessidade de aprender e de assimilar todas essas aptidões para continuar no Brasil.

    Baseado na peça de teatro Namíbia, Não!, de Aldri Anunciação, de 2011, Medida Provisória chega aos cinemas embalado por controvérsias. O atraso de sua estreia – o longa estava previsto para o ano passado – fez atores como Taís Araújo denunciarem suspeita de perseguição da Ancine sob o controle do governo Bolsonaro. O desgosto mútuo entre o presidente do país e a classe artística é o combustível de uma guerra cultural sem fim. É curioso, porém, o ataque da comitiva bolsonarista contra o filme e seus atores. Quando um longa antirracista é visto como alfinetada a um governo, então, parafraseando Shakespeare, há algo de podre no reino da Dinamarca — ou melhor, do Brasil, que ainda devaneia com a branquitude de uma Dinamarca.

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