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‘Marighella’ chega aos cinemas com aura de fenômeno pop

Dois anos depois de finalizado, filme estreia esta semana envolto em onda de curiosidade despertada por demora no lançamento e acusações de censura

Por Amanda Capuano Atualizado em 2 nov 2021, 16h53 - Publicado em 2 nov 2021, 16h39
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  • Uma viagem aparentemente tranquila é subitamente interrompida por um grupo armado. “Senhoras e senhores, não somos criminosos e não vamos machucar ninguém, este trem carrega armas que iremos usar para combater a ditadura”, entoa um dos líderes do bando, enquanto o outro, um homem negro de meia-idade, empunha um revólver contra o motorista para parar o veículo. A cena dramática, embalada por Monólogo ao Pé do Ouvido, do Nação Zumbi, abre o filme Marighella, que, entre uma série de imbróglios para seu lançamento, chega aos cinemas na quinta-feira, 4, dois anos e meio após sua estreia no Festival de Berlim, em 2019.

    Ao contar a história de Carlos Marighella (1911-1969), controverso guerrilheiro que liderou a luta armada contra a ditadura militar brasileira, a produção não poupa o espectador de cenas de violência, tortura, e discursos políticos inflamados. As falas ecoam as ideologias de Wagner Moura, ator que aqui faz uma interessante e enérgica estreia como diretor, com Seu Jorge no papel título e um inspirado Bruno Gagliasso na pele do delegado Lúcio, uma versão do temível Sérgio Fleury, um policial acusado de torturar e matar muitos em nome do governo.

    Para além de sua qualidade cinematográfica — o filme é bem feito, mas deveras maniqueísta —, Marighella chega ao circuito já com aura de fenômeno pop. Antes de ser adiado pela pandemia, como todos os demais filmes previstos para 2020, o longa puxava o coro dos críticos ao presidente Jair Bolsonaro e seus temerários elogios à ditadura e seus torturadores “célebres”. Assim, quando um embate com a Ancine, que barrou três pedidos de distribuição do longa, aconteceu, logo, Moura e seus aliados bravejaram acusando a agência de censura pelo teor político do longa. Na ocasião, Bolsonaro havia demonstrado interesse em transformar a Ancine em uma secretaria subordinada ao governo, e chegou a declarar que extinguiria ou privatizaria o órgão se os projetos não pudessem passar por um “filtro”. Em resposta à acusação, a agência justificou que as negativas ocorreram em razão de uma inadimplência da produtora com o órgão por causa de um projeto anterior, pendência que a O2 assumiu possuir.

    As idas e vindas alvoroçaram os dois lados da polarização política que assombra o país. De um lado, os eleitores de Bolsonaro promovem um boicote ao filme. Do outro lado, motivados pelo tom político do roteiro e/ou pelas acusações de censura contra a obra, estão os espectadores que devem fazer do filme a melhor bilheteria de um longa nacional desde o início da pandemia.

    Com uma linha temporal que transita entre 1964 e 1968/69, o filme pinta Marighella como um apaixonado pelo Brasil que vê na luta armada uma forma de combater a repressão militar, e pincela que ele estava disposto a tudo para conquistar sua “revolução”, citando vez ou outra o “sucesso” de Cuba e Vietnã na implantação do comunismo. Se o trunfo do filme é o de ilustrar, de forma até gráfica, o quão absurdo é negar os horrores da ditadura militar que dominou o Brasil por duas décadas, seu ponto fraco é também a falta de uma crítica mais contundente ao autoritarismo comunista. Seja de direita ou da esquerda, ditaduras não são a resposta.

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