Marcelo Serrado: “A censura voltou”
Alvo do ataque de bolsonaristas, o ator critica a demonização da cultura e afirma que os artistas têm sofrido ofensas levianas
O senhor foi ofendido no aeroporto por um grupo de bolsonaristas que dizia: “Acabou a mamata da Lei Rouanet. Vai ter de trabalhar”. Já foi beneficiado por alguma “mamata”? A ofensa, na verdade, começou por eu ter participado da campanha “Vira voto” em prol do candidato Fernando Haddad. Nunca fui beneficiado por mamata. E a lei não acabou. Demonizar artistas com esse tipo de insulto é descabido e pequeno.
Para um ator com 32 anos de carreira, foi difícil ouvir “vai ter de trabalhar”? O que mais faço é trabalhar. Agressão com palavras é o que algumas pessoas e robôs programados na internet estão acostumados a fazer. O melhor é não responder. Respiro e vou adiante. Eles querem é confronto.
O senhor declarou que não fará a sequência do filme Polícia Federal: a Lei É para Todos. Arrependeu-se de ter vivido o juiz federal Sergio Moro? Não me arrependo, só não tenho agenda. De qualquer modo, sou ator e faço o meu trabalho. O Selton Mello fez O Mecanismo; Seu Jorge, Marighella. São personagens. Vivemos disso.
A atriz Fernanda Montenegro declarou que vivemos uma era de demonização da cultura. Concorda? Sim. As ofensas que artistas têm sofrido são levianas. Não conheço um ator amigo que tenha sido beneficiado com leis do governo. Disseminam falácias e calúnias. Mas isso não vai nos parar. Um país sem cultura é um país sem identidade.
A Ancine vem sendo alvo de críticas do governo. Como fica o cinema com o corte já anunciado? Neste ano fiz quatro longas e tenho preocupação se isso acontecerá no próximo. A cultura de um país deve ser múltipla, e não é o governo que decide o que nós vamos ver. Isso me lembra aquela música Flutua, que diz: “Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”. Deixa cada um ver e ser o que quiser.
Como o senhor vê as campanhas difamatórias na internet? A rede tem robôs e pessoas agressivas que insultam sem argumentos. Esse Fla-Flu é descabido, pois a maioria lá em Brasília não dá a menor bola para a gente. As agressões são tanto de direita quanto de esquerda. É uma pena essa polarização. Não faz sentido.
O senhor teme a volta da censura? De alguma maneira, ela já voltou, velada e disfarçada, mas está aí. Seguimos atentos e fortes para que nossa liberdade não seja perdida.
Publicado em VEJA de 30 de outubro de 2019, edição nº 2658