Lutas marciais e nostalgia marcam Cobra Kai, série que revê Karatê Kid
Sucesso na Netflix, a produção se vale de humor e lições de tolerância para resgatar, trinta anos depois, os personagens e atores, agora tiozões, da saga
Um hilário diálogo da série Cobra Kai, que tem suas duas temporadas disponíveis na Netflix, sintetiza as diferenças geracionais que separam os adolescentes dos anos 80 de seus pares dos dias de hoje. Há trinta anos, Johnny Lawrence (William Zabka) foi o garoto mais popular da escola, mas agora é um fracassado tiozão que ganha a vida como professor de caratê. Ao telefone, uma mãe interessada em matricular o filho em sua academia pergunta se, além de meninos e meninas, Johnny dá aula a adolescentes de “gênero fluido”. Confuso, ele vocifera: “Gênero o quê?” — e desliga, achando se tratar de um trote.
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A partir de 1976, com Rocky: um Lutador, filmes de temática “underdog” — nos quais o mais fraco vence o mais forte — caíram no gosto do público. Mas foi com Karatê Kid — A Hora da Verdade (1984) que esse tipo de enredo universal ganhou contornos adolescentes, ao contar a história de Daniel LaRusso (Ralph Macchio), que sofre bullying de Johnny, o melhor carateca da cidade. Daniel, porém, vence o rival com o inesquecível “chute da garça” ensinado por seu carismático mestre japonês, o senhor Miyagi (Pat Morita). Mais de trinta anos depois, Cobra Kai retoma os personagens do passado, com seus mesmos protagonistas clássicos — e revela que aquela rivalidade jamais foi superada.
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Ainda presente no imaginário dos quarentões de hoje, o filme Karatê Kid fez tanto sucesso quando foi lançado que nos anos seguintes ganhou três continuações, uma versão reformulada e até uma animação — mas nenhuma conseguiu repetir o feito do primeiro. Will Smith, um fã assumido, comprou os direitos da história. Em 2010, sua produtora criou uma versão ambientada na China e estrelada por seu filho, Jaden Smith, e por Jackie Chan. Na época, Smith esperava que o filme fosse um sucesso no mercado chinês, com o garoto aprendendo kung fu, a arte milenar do país. O problema é que o título continuou sendo Karatê Kid, aludindo à luta japonesa. A confusão só atrapalhou. Embora o filme tivesse arrecadado 359 milhões de dólares, não convenceu os fãs. Ciente do potencial da história, Smith não desistiu e investiu em Cobra Kai — esta, sim, um êxito que resgata com louvor o espírito do original.
A série, no entanto, quase afundou antes de começar. Inicialmente disponibilizada só no serviço de streaming YouTube Red, do Google, Cobra Kai passou batida. Agora, na segunda temporada (a primeira estreou em 2018), a audiência finalmente explodiu com sua chegada à Netflix, que já anunciou uma terceira fornada de capítulos. A vitrine por si só não explica o sucesso. A série acerta ao unir pais e filhos em frente à TV, prendendo os mais velhos pelo saudosismo (que inclui muitos flashbacks) e os jovens com temas atuais, além da presença de ótimos atores adolescentes.
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No enredo, descobrimos como aquele famoso campeonato de caratê de 1984 definiu o futuro dos protagonistas. Hoje, Daniel “San” é um bem-sucedido empresário, casado e com dois filhos, enquanto Johnny é alcoólatra e tem um péssimo relacionamento com seu rebento adolescente. Na primeira temporada, que ainda bebia bastante do roteiro dos filmes da franquia, ironicamente, é o vilão Johnny quem decide ensinar caratê a Miguel Diaz (Xolo Maridueña), um garoto indefeso, reprisando o que o senhor Miyagi fez com Daniel. A diferença é que Johnny não é nenhum mestre zen. Enquanto isso, Daniel ensina o verdadeiro caratê a sua filha e também a Robby Keene (Tanner Buchanan), filho de Johnny. A série ganha força na segunda temporada, quando o conflito se desloca para duas personagens femininas: Samantha LaRusso (Mary Mouser), filha de Daniel, e Tory Nichols (Peyton List), namorada de Miguel. Mais que uma disputa entre inimigos do passado, Cobra Kai funciona como um acerto de contas dos anos 80 com os dias atuais. Já não cola mais repetir a velha dicotomia do bonzinho versus o malvado. A insolúvel rixa de Daniel “San” com Johnny serve apenas para expor com humor o ridículo de dois homens de meia-idade se estapeando por velhas desavenças. No final, o que fica são as lições de tolerância e amizade.
Publicado em VEJA de 23 de setembro de 2020, edição nº 2705
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