Máscaras, perucas, acessórios inusitados, roupas ensanguentadas, vestidos que sobem até a cabeça cobrindo o rosto – ou costurados com pedaços de carne vermelha. Ao longo dos últimos dez anos, Lady Gaga não poupou o público de surpresas fashionistas e performances memoráveis (para o bem, ou para o mal). A imagem forte da cantora, tratada como a esquisita da música pop, agora se contrapõe a uma Gaga de cara limpa no filme Nasce uma Estrela, em que ela atua ao lado de Bradley Cooper no romance entre uma cantora em ascensão e um músico em decadência. A transição de uma persona para a outra não foi do nada, nem por acaso. A cantora passou por anos de uma reformulação de imagem que deu certo e a transformou de exótica em nome forte para concorrer ao Oscar em 2019.
Desde que surgiu no cenário musical em 2008, Gaga chamou mais a atenção por suas excentricidades do que pela música em si – apesar de ser dona de canções bastante interessantes do cenário pop eletrônico. As bizarrices da artista por alguns anos a transformaram numa espécie de atração circense. Todos esperavam qual seria a próxima atitude da moça no palco, ou com qual não-roupa ela chegaria ao tapete vermelho. Se o estilo funcionava bem em atrações musicais, como o Grammy e o Video Music Awards (VMA), o mesmo não pode ser dito de lugares mais tradicionais do show business americano, como ambientes de alta cultura e o palco do Oscar. E Gaga queria chegar lá.
O primeiro passo da cantora foi flertar com as artes visuais em Artpop, de 2013. A capa do disco, assinada pelo artista americano Jeff Koons, fazia referência à tradicional Nascimento de Vênus (1486), obra do italiano Sandro Botticelli, com imagens que misturavam a pop arte de Andy Warhol e a contemporaneidade de Tracey Emin. A tentativa de Gaga, contudo, flopou. O álbum foi criticado e as apresentações no palco agradaram pouco.
Em baixa, a cantora fez outra mudança na carreira, talvez a mais ousada e relevante. Em vez de tentar lançar um novo disco com o pop que a consagrou, ela decidiu se aliar ao tradicional cantor de jazz Tony Bennett, com quem lançou o disco de covers Cheek to Cheek. Assim, Gaga se despiu dos excessos – apesar de ainda usar perucas e maquiagens marcantes — para dar destaque à sua voz.
O álbum foi o ingresso para a cantora transitar em meios como a Escola de Arte Frank Sinatra, em Nova Iorque, e em casas de show menores na Europa, como o Royal Albert Hall, em Londres. Longe de ser um sucesso de vendas ou um estrondo nas redes sociais, o trabalho foi o primeiro degrau para Gaga limpar sua imagem desgastada. Tanto que, em 2016, ela concorreu ao Oscar de melhor canção original pela faixa Til It Happens to You, do documentário The Hunting Ground, sobre sobreviventes de abuso sexual, com direito a apresentação da cantora no maior estilo “diva de Hollywood”.
O próximo disco solo só viria em outubro de 2016. Joanne em nada lembra o batidão de The Fame, álbum de 2008 que chamou os holofotes para Gaga. Com uma pegada pop country, com direito a um fundo do rock sulista americano, o disco caiu nas graças da crítica, devolveu a Gaga o posto de mais vendidos do ranking da Billboard e ainda a colocou no cobiçado intervalo do Super Bowl, tradicional final do campeonato da NFL, a liga de futebol americano dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo em que produzia o disco, ela gravava o documentário da Netflix Five Foot Two. O filme ajudou a humanizar a figura de Gaga, ao mostrar sua relação com a família e as dores causadas pela doença fibromialgia — que a fez cancelar no ano passado sua passagem pelo Rock in Rio. Em determinado momento do filme, a cantora se mostra feliz ao afirmar que foi convidada por Cooper para o terceiro remake de Nasce uma Estrela. Há quem diga que as canções da trilha sonora do filme são uma sobra de Joanne. A única faixa que traz tal evidência é a música-tema Shallow, assinada por Gaga e por Mark Ronson, que produziu o último disco solo da cantora.
Agora, a nova Gaga, de cara limpa, jeans e camiseta, chega aos cinemas brasileiros com Nasce uma Estrela. Nas duas últimas versões do filme – um favorito de Hollywood, como dá para perceber — as protagonistas ganharam destaque na cerimônia. Barbra Streisand levou o Oscar pela música original Evergreen, do remake de 1976; enquanto Judy Garland concorreu ao prêmio de melhor atriz. Expectativa parecida paira sobre a nova e reformulada Lady Gaga.
A pressão é grande e deveras exagerada, assim como os primeiros figurinos da cantora/atriz. Gaga vai bem como atriz no longa, mas ainda está longe de merecer uma estatueta dourada na categoria de atuação. Já a música, uma balada romântica com refrão-chiclete e cara de hit, tem mais chances de fazer com que a americana de origem italiana saia da premiação com um Oscar para chamar de seu.