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K-pop, o grande novo inimigo da Coreia do Norte — segundo Kim Jong-un

O governo norte-coreano deflagrou uma guerra cultural contra os vizinhos do sul, uma atitude que reflete o poder da arte frente ao autoritarismo

Por Amanda Capuano 14 jun 2021, 11h44

Depois de esvaziar um comício de Donald Trump em 2020, o K-pop chegou à Coreia do Norte e tem incomodado o ditador Kim Jong-un. Segundo o New York Times, o líder norte-coreano comparou a música vinda da Coreia do Sul a um “câncer vicioso” que está corrompendo os “trajes, estilos de cabelo, discursos e comportamentos” da juventude de seu país. A mídia estatal chegou a advertir que se não controlarem a disseminação do fenômeno, que é uma febre mundial, sua influência pode fazer a nação “desmoronar como uma parede úmida”. Esse é mais um capítulo da guerra cultural deflagrada por Kim, que endureceu a censura e usa a mídia estatal para atacar sem tréguas as influências “anti-socialistas e “não-socialistas” propagadas através do contrabando de entretenimento estrangeiro, especialmente os vindos da Coreia do Sul.

Enxergar a cultura como uma ameaça pode parecer um contra senso em democracias estabelecidas, mas é uma realidade em países de governos autoritários. No caso da Coreia do Norte, a arte do vizinho pode apresentar à população um cenário completamente diferente daquele difundido pela narrativa oficial.

No caso, a Coreia do Norte passou anos pintando a rival do Sul como uma nação miserável e cheia de mendigos. Agora, o país se vê ameaçado pela imagem retratada nas novelas e filmes sul-coreanos, que contradizem a versão do governo e já tem causado baixas ao território socialista. Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto de Estudos para a Paz e a Unificação da Universidade Nacional de Seul, das 116 pessoas entrevistadas que fugiram do país entre 2018 e 2019, quase a metade delas consumia entretenimento sul-coreano de maneira frequente. “Para Kim Jong-un, a invasão cultural da Coreia do Sul foi além de um nível tolerável. Ele teme que seu povo comece a considerar o Sul uma alternativa”, analisou Jiro Ishimaru, editor-chefe do Asia Press International em entrevista ao NYT.

O jornal asiático, aliás, divulgou recentemente documentos que indicam que computadores, mensagens de textos e aparelhos musicais tem sido vasculhados em busca de conteúdo sul-coreano. Outro ponto que preocupa o governo é a imitação do vocabulário do sul, já que algumas mulheres passaram a se referir aos companheiros como “oppa,” ou “honey”, vocativos usados pelas estrelas dos k-dramas, e considerados “pervertidos” por Kim. Gestos popularizados pelos ídolos do K-pop, como um coração feito com o indicador e o polegar, também têm se tornado febre, assim como a estética descolada dos grupos, que contraria o padrão estabelecido pelo governo local.

Para tentar se agarrar ao controle, Kim promulgou, em dezembro de 2020, uma lei que estabelece uma pena de cinco a 15 anos de trabalho forçado a quem for flagrado assistindo ou sob posse de entretenimento sul-coreano, conforme documentos internos divulgados pelo Daily NK, site com sede em Seul. Antes disso, consumir conteúdos do vizinho já era uma contravenção, mas a punição era de no máximo 5 anos. Com a nova lei, falar, escrever ou cantar no “estilo sul-coreano” pode render até dois anos de trabalho forçado, e até mesmo pena de morte para contrabandista.

Segundo documentos divulgado pelo Daily NK, as autoridades do Norte pediram à população que delate os conhecidos que consomem a programação do Sul, mas a estratégia não tem funcionado — muitos, inclusive, avisam os vizinhos sobre eventuais batidas policiais, para que tenham tempo de se preparar. “Os jovens acham que não devem nada a Kim Jong-un. Ele precisa reafirmar seu controle ideológico sobre a juventude se não quiser perder a base para o futuro do governo dinástico de sua família”, disse Jung Gwang-il, um desertor que dirige uma rede de contrabando de K-pop para a Coreia do Norte em entrevista ao New York Times. Não se pode menosprezar a cultura.

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