De onde veio a ideia de uma campanha contra o salto alto no Japão? Publiquei no Twitter um post simples em que dizia que meus pés doíam horrores quando eu estava de salto alto. “Não aguento mais”, escrevi, e mostrei uma foto com os dedos inchados. A funerária onde eu trabalhava obrigava todas as mulheres a usar salto diariamente, como é comum em grande parte das empresas japonesas. O tuíte acabou explodindo na internet, espontaneamente, até que alguém criou a hashtag #KuToo — em japonês, kutsu é sapato e kutsuu, dor.
Como era a regra na funerária? Eles produziram um manual com sete opções de salto. Nada de sapato baixo. Eu saía de lá todo dia com os pés feridos.
#KuToo lembra #MeToo, o movimento contra assédio encabeçado por celebridades americanas. Há relação? O #MeToo me fez prestar mais atenção à questão de gênero no Japão. Sou atriz e sei que acontecem abusos também no mundo do entretenimento daqui. A insurreição contra os saltos, na essência, tem a ver com a amplificação da voz feminina.
Você mandou uma petição ao Ministério do Trabalho, com mais de 30 000 assinaturas, pleiteando o fim da exigência do salto no ambiente de trabalho. Qual é sua expectativa? Embora a petição ainda não tenha sido julgada, o ministro já se manifestou de forma desfavorável. Disse que o salto é “necessário e apropriado”. Provavelmente não entendeu que essa imposição está diretamente ligada à questão de gênero.
Como as mulheres são tratadas no mercado de trabalho japonês? Há ainda uma forte carga de preconceito que vai muito além do salto alto. A maquiagem é outra bomba que precisamos engolir. Temos de estar bem maquiadas e sempre bonitas. No geral, as mulheres aceitam, e assim sustentam valores antiquados.
Qual o próximo passo do #KuToo? Estou organizando um evento para atrair não só japonesas do mundo corporativo, mas também atrizes e modelos. Vou ampliar a campanha e brigar pelo fim da maquiagem obrigatória.
Você ainda usa salto para trabalhar? Agora, só quando quero.
Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644