Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Hora do desapego: a onda do minimalismo ganha força com gurus da Netflix

Estilo de vida que prega ter menos bens e consumir só o essencial (inclusive na internet), faz sucesso e ganha adesão de famosos

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h05 - Publicado em 29 jan 2021, 06h00

Há dez anos, Ryan Nicodemus encontrou o amigo Joshua Fields Millburn e ficou intrigado: 30 quilos mais magro e com um sorriso no rosto, Millburn parecia outra pessoa. A história dos jovens de Ohio, no Meio-­Oeste americano, convergia. Criados em famílias de baixa renda, por mães dependentes químicas, ambos mergulharam no mundo corporativo apostando que o acúmulo de bens seria o passaporte para uma vida melhor. O salário alto trouxe casas enormes e carros de luxo, mas também crises de ansiedade, relacionamentos frustrados e dívidas na casa dos 100 000 dólares. Quando sua mãe morreu de câncer e a então esposa pediu o divórcio, Millburn teve uma epifania: percebeu que “as coisas mais importantes da vida não são coisas”. Em questão de meses, livrou-se de mais da metade de suas posses. “Não sou alérgico a coisas ou dinheiro, mas decidi ter apenas o essencial”, disse ele a VEJA (leia entrevista). Inspirado por Millburn, Nicodemus fez seu próprio ritual de passagem em uma intervenção apelidada de “festa das caixas”. Tudo o que ele tinha em casa foi embalado. Ao longo de 21 dias, abriu só as caixas com utensílios de fato úteis. No fim do prazo, 80% delas continuavam fechadas — os itens sem função acabaram doados, vendidos ou descartados. “Eu me senti, de fato, rico”, disse, após a sessão de desapego.

DESDE O BERÇO - Ana Desidério e o filho, Arthur: simplicidade no cotidiano -
DESDE O BERÇO - Ana Desidério e o filho, Arthur: simplicidade no cotidiano – (Arquivo Pessoal/.)

Surgia assim a dupla de gurus que faz sucesso pregando um novo estilo de vida: o “minimalismo”. Os dois — hoje aos 39 anos — pediram demissão de seus empregos e fizeram fama entoando o mantra de que ter menos bens traz mais felicidade. Em 2010, criaram o blog The Minimalists — que atualmente soma 20 milhões de visitantes. Lançaram livros, podcast, canal no YouTube e viajam o mundo dando palestras. Dois documentários coroaram a jornada de popularidade: Minimalismo, de 2015, e Minimalismo Já, lançado pela Netflix em janeiro deste ano. Os filmes apresentam desde depoimentos de quem aderiu ao movimento até vislumbres dos excessos das indústrias da moda e da tecnologia, que aceleraram os hábitos de consumo, produzindo mais e poluindo o planeta na mesma medida.

A nova cultura do desapego empresta o nome de um dos “ismos” da arte contemporânea. Só que a corrente pós-moderna conhecida como minimalismo passa longe do evangelho da simplicidade dos gurus da Netflix: por trás de suas obras cerebrais, há uma superabundância de teorização. Faz mais sentido buscar as raízes do minimalismo comportamental em religiões orientais associadas a hábitos austeros, como o budismo e o hinduísmo. No Ocidente, a ideia já ganhava evidência nos anos 30, quando o filósofo Richard Gregg (1885-1974) criou o conceito da “simplicidade voluntária”. O americano deixou Harvard rumo à Índia para virar discípulo de Mahatma Gandhi (1869-1948), e passou a condenar o “materialismo”.

ZEN - Reeves: o ator doa boa parte de seu cachê e associa stress à preocupação com o dinheiro -
ZEN - Reeves: o ator doa boa parte de seu cachê e associa stress à preocupação com o dinheiro – (Reprodução/Instagram)
Continua após a publicidade

No hiperconectado século XXI, o desapego ganhou novo fôlego e abarca uma ampla (e por vezes vaga) gama de hábitos, da compra de bens às refeições, passando pela espiritualidade. Celebridades como Keanu Reeves e Robert Pattinson seguem a vertente e doam boa parte dos milhões de dólares que embolsam. Buscas sobre o minimalismo alcançaram um pico no Google em 2019. Desde março de 2020, quando a pandemia obrigou a população a ficar em casa — e a notar a quantidade de coisas que possuía —, a média de visualizações de vídeos sobre o tema cresceu 70% no YouTube. Neles, casas pintadas de branco e com poucos móveis viram cenário para falar de meditação, decoração minimalista ou como ser um “consumista consciente”.

O que os minimalistas preconizam, no fundo, é uma nova ética do consumo, alicerçada em hábitos racionais. Um minimalista não para de fazer compras, mas o faz com menos frequência e prioriza itens de melhor qualidade. É o caso da curitibana Ana Desidério, de 33 anos, que inverteu a lógica do “tempo é dinheiro”. “Toda vez que compro algo desnecessário estou gastando meu tempo de trabalho nisso”, diz. A atriz cria o filho, Arthur, de 3 anos, à luz do conceito. “Fazemos brinquedos com material reciclável”, afirma. Tais hábitos se expandiram para a vida digital. A assistente social paulista Regina Lima, de 49 anos, “enxugou” os contatos nas redes sociais para alimentar relações mais íntimas e perder menos tempo on-­line. O minimalismo veio depois que ela se viu com uma dívida de 70 000 reais e precisou de um empréstimo de emergência. “Consumismo é uma doença difícil de vencer”, diz. Regina congelou o cartão de crédito — literalmente — no freezer. Hoje, só compra à vista e investe o que sobra. O mínimo pode ser o máximo.

Com reportagem de Tamara Nassif

Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.