Dois anos atrás, o cineasta americano Todd Phillips fez uma proposta ousada à compositora islandesa Hildur Guonadóttir: criar uma trilha sonora a partir da leitura do roteiro de um filme que ele nem tinha começado a rodar. Hildur não só aceitou o desafio como se identificou com o calvário de Arthur Fleck, o palhaço de vida desgraçada que se transmuta no vilão Coringa. “Ele atiçou o lado negro da minha personalidade”, justificou ela. Hildur escreveu temas densos e claustrofóbicos como Bathroom Dance — no qual o som do violoncelo é acompanhado por coral e depois orquestra, como se a loucura tomasse aos poucos a alma atormentada de Fleck.
Coringa rendeu à compositora o Globo de Ouro de trilha sonora e, no próximo dia 9, a credencia como favorita ao Oscar da categoria. Mas esse não é o único feito da islandesa de 37 anos. Suas criações para a trilha de Chernobyl, que lhe garantiram um Emmy e um Grammy, são tão densas que dão ao ouvinte a impressão de estar dentro da usina nuclear russa. Sua versátil carreira abrange desde trilhas e obras para orquestras até aventuras pela música popular. Ou melhor, aquilo que ela entende como música popular: seu currículo no ramo inclui participações em álbuns do esquisitíssimo grupo de heavy metal Sunn O))) e no trabalho experimental de David Sylvian, ex-vocalista do grupo de new wave Japan. Hildur tem até um pé no Brasil. Um de seus primeiros trabalhos foi a trilha de Astro — Uma Fábula Urbana em um Rio de Janeiro Mágico, da cineasta paulista Paula Trabulsi.
+ Compre a trilha sonora da série Chernobyl na Amazon
+ Compre o vinil da trilha sonora de Coringa na Amazon
Nascida num clã de músicos (o pai é clarinetista e a mãe, cantora de ópera), ela toca violoncelo desde os 5 anos e estudou na Academia de Música de Reykjavik. Logo se revelou entusiasta da dissonância e de temas pouco palatáveis para ouvidos ditos “normais”. A expectativa do Oscar anima a compositora a pedir mais mulheres na criação de trilhas sonoras — área que denuncia ser pouco aberta e preconceituosa com elas. “Três anos atrás, éramos responsáveis por só 1% dos temas dos 500 filmes de maior sucesso na bilheteria. Hoje estamos em 6%, mas ainda há muito que fazer”, diz. Sua consagração por Hollywood pode acelerar esse processo.
Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.