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‘Há uma campanha contra a cultura’, diz diretora da Mostra de Cinema de SP

Em entrevista, Renata de Almeida fala sobre a autorização para captar recursos via Lei Rouanet para o evento deste ano, que perdeu o patrocínio da Petrobras

Por Juliana Varella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2019, 17h23 - Publicado em 30 Maio 2019, 08h19
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  • Marcada para acontecer entre 17 e 30 de outubro, a 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo passou por momentos difíceis nos últimos meses. Perdeu em abril seu maior patrocinador, a Petrobras, após dezenove anos de apoio. Em 2018, o patrocínio da petrolífera já havia caído pela metade, mas o corte definitivo, um dos primeiros sinais de uma reestruturação geral que o governo de Jair Bolsonaro está desenhando no apoio estatal à cultura, assustou: a colaboração ainda respondia por algo entre 30 e 40% dos custos totais do evento – valor que fica na faixa dos 6 milhões de reais a cada ano. O festival também teve que aguardar a abertura de inscrições de projetos para captar recursos via Lei de Incentivo à Cultura, popularmente chamada de Lei Rouanet, e temia-se que poderia ainda demorar. Na semana passada, porém, uma boa notícia para o festival: o evento recebeu autorização do Ministério da Cidadania (ao qual a Secretaria de Cultura é subordinada) para captar 3,4 milhões de reais.

    Em entrevista a VEJA, a diretora da Mostra, Renata de Almeida, garante que o evento vai acontecer, fala sobre o alívio de ter o projeto aprovado para captação de recursos e analisa o momento atual do evento. “Penso todos os anos em parar”, diz. “Mas continuo pelo público.”

    O que podemos esperar para a Mostra deste ano, sem a Petrobras? Vai acontecer, já prometi. Quando o Leon (Cakoff, criador da Mostra Internacional de Cinema e marido de Renata) morreu e fiz a edição seguinte, em 2012, a única coisa que eu tinha naquele momento era a minha palavra, e ela aconteceu. Este ano, eu já dei a minha palavra, então vai acontecer. Como? Não sei. Pode ser bem menor.

    Quão menor? Depende. A Mostra é um pouco elástica, ela pode ter o tamanho que o orçamento permite – o desafio é saber quanto vai ser. Já tivemos Mostra com 100 filmes, já chegamos a 500 e, no ano passado, exibimos 300. O que queremos é manter essa média de 300, que é um tamanho ideal para a cidade. Se diminuirmos muito, as sessões vão ficar lotadas e as pessoas vão ficar frustradas. Quando sofremos um corte no ano passado, tentamos reduzir tudo o que não atingisse diretamente o público: convidados internacionais, festa de abertura, coisas assim.

    Quais seriam as outras formas de financiamento da Mostra? A parte que arrecadamos com ingressos é muito pequena, em torno de 10%, então contamos com os patrocínios. Hoje temos apoio da prefeitura por meio da Spcine, que prometeu manter, e do Sesc, com quem ainda estamos conversando. Parte da verba vem do Fundo Setorial do Audiovisual e também devemos ter o Itaú e a Sabesp, mas estes apoiam via Lei Rouanet.

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    Quanto as mudanças na Rouanet afetarão a Mostra? A Mostra se encaixou como festival, que possui teto de 6 milhões de reais. Meu medo era a Rouanet não abrir as inscrições de novos projetos, então fiquei aliviada quando abriram. Recebemos autorização para captar 3,4 milhões de reais e já retomamos as conversas com o Itaú e a Sabesp para que eles apoiem. A Secretaria de Cultura pediu para que inscrevêssemos o projeto para captar recursos via Rouanet com o mesmo valor que costumávamos usar em edições anteriores do evento. Eles disseram que, caso a gente captasse mais do que os 3,4 milhões de reais autorizados, deveríamos voltar a falar com eles. Temos em mente também que podemos não conseguir captar o valor total aprovado, mas de qualquer maneira o evento vai acontecer, já assumimos esse compromisso. Vamos fazer uma Mostra bonita como as anteriores.

    A diretora Laís Bodanzky publicou em nome da Spcine uma carta aberta falando do “desmonte da política audiovisual brasileira”. Você concorda que há um desmonte em curso? É um desmonte do audiovisual e cultura. Aliás, da indústria criativa como um todo. Como, no mesmo ano em que retiram o apoio da Petrobras, que é um grande patrocinador da cultura, também paralisam a Rouanet? Isso é muito grave. Entendo que a lei precisa ser aperfeiçoada, mas é preciso ter um plano. Não se pode, simplesmente, parar tudo. E você vê as notícias sobre o corte de verbas para universidades e pensa: o que fazem os países modernos, que têm os melhores índices de educação? Valorizam a cultura. Porque cultura é uma forma de educação, elas andam juntas.

    Apesar disso, há uma percepção geral de que a cultura não é tão importante quanto outras áreas… Hoje se fala em soft power (ou “poder suave”, a influência indireta de uma nação sobre os comportamentos do resto do mundo por meio da cultura). Cinema é soft power. Levar o cinema de São Paulo para fora do Brasil é soft power – é um trabalho de embaixada, é coisa de Itamaraty. Um país não pode achar que é só fornecedor de commodities. Um país tem que ser fornecedor de mentes, de criatividade, de inovação. Que tenha a exportação de commodities? Tenha. Mas as commodities não podem pisar nas mentes. Não se pode ver a cultura com esse pensamento tão tacanho, e não se pode confundir vingança com justiça.

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    Em que sentido você fala em vingança? Existem pessoas que acham que a classe cultural é inimiga, e têm feito uma campanha para jogar a opinião pública contra a cultura, principalmente contra a Lei Rouanet. Mas ela se baseia numa mentira: na ideia de que a cultura é o único setor da economia que tem subsídio do Estado. Ora, isso é um absurdo. Deveria estar escrito em todos os celulares que eles foram patrocinados pelo Ministério da Economia, feitos na Zona Franca de Manaus, com isenção de impostos, e qualquer verdura no supermercado deveria conter uma nota dizendo que o agronegócio é patrocinado pelo Ministério da Agricultura, com isenção. A cultura é obrigada a divulgar que recebe incentivos do Ministério da Cidadania (ao qual a Secretaria de Cultura é subordinada), enquanto os outros setores escondem esses incentivos, sob o discurso de serem “liberais”. Liberais, mas estão pedindo! Pedindo para esquecerem a dívida, para não pagarem impostos… Qual é o retorno que essas outras partes da economia dão para a sociedade? Emprego e imposto. A cultura dá formação, acesso gratuito, além dos mesmos emprego e imposto. Por que ela está sendo desconsiderada?

    Houve algum outro momento parecido com esse na história da Mostra? Comecei a trabalhar na Mostra na 13ª edição e no ano seguinte veio o plano Collor. Foi uma loucura. A Mostra foi bem pequena, o catálogo foi feito com um papel ruim, que desmancha…. Mas fizemos. Faltar dinheiro é ruim, mas essa campanha… Acho que nunca foi tão dolorido, sabia? Emocionalmente. É claro que o ano em que o Leon morreu foi triste, mas nunca houve um momento assim. Não com essa sensação de que um evento que já passou por tanto pode ser visto como algo que explora a sociedade e não contribui com ela. A Mostra só existe por causa do público. E você vê as pessoas dizendo que você “mama nas tetas do governo”… É ofensivo.

    Como é usado o dinheiro conseguido com os patrocínios? Tem sido todo revertido para o público, de várias maneiras. A consequência mais imediata foi o fato de todos os filmes, hoje, terem legendas em português e quase todos os filmes brasileiros terem legendas em inglês. Isso é caríssimo, mas é acesso. Quando eu entrei na Mostra, era comum ver filme coreano com legenda em inglês, e quando tinha legenda em espanhol a gente fazia festa. As pessoas estavam conformadas em ir ao cinema e não entender 100% do que se falava. Hoje, é inadmissível – mas isso já foi assim, antes de leis de incentivo. Também foi graças ao patrocínio que começamos a fazer sessões gratuitas no vão livre do Masp. Além disso, não sei como vai ser possível este ano, mas temos feito parcerias com ONGs, como o Segunda Chance, que atua com ex-detentos, e a Athos, com refugiados. Eles trabalham na Mostra como monitores e podem conseguir emprego depois. Com o patrocínio, você consegue pagar essas pessoas e gerar trabalho. Trazer inclusão. O patrocínio não tem sentido se não tiver uma contrapartida. Um estudo da FGV diz que a cada 1 real investido em cultura via Lei Rouanet, 1,59 retornam para a sociedade. A Mostra não retorna esse investimento apenas para o público, mas também para a cidade, levando seu nome para fora do país com um evento que é muito respeitado internacionalmente.

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