Para Roberto Frejat, de 58 anos, o título de seu quarto álbum solo, Ao Redor do Precipício, recém-lançado nas plataformas de streaming, serve como metáfora para os dilemas atuais do mundo. “Os seres humanos fazem coisas tão bonitas e, ao mesmo tempo, absurdamente bárbaras e não civilizadas que você fica ali, ao redor do precipício, sem saber se admira a vista ou se cai no buraco”, filosofa ele, em entrevista a VEJA. A reflexão se adéqua ao cenário da pandemia, mas também capta com precisão a alma do artista: romântico incurável, o carioca é fiel admirador das belezas da vida, apesar dos pesares. É o que sugere sua obra composta de faixas otimistas e letras dedicadas aos prazeres e agruras do amor, fórmula recuperada pelo novo disco, o primeiro de inéditas em doze anos.
Ao longo da última década, Frejat deu vazão à criatividade lançando eventualmente singles como A Felicidade Bate à Sua Porta ou O Amor É Quente. O esquema que funciona bem para jovens artistas se mostrou inócuo para o veterano. “Meus fãs mantêm uma relação afetiva com o formato do álbum. Um conjunto de canções é o que dá consistência e coerência ao meu trabalho”, diz.
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De fato, o novo disco chega embalado sob medida aos admiradores que, um dia, cantarolaram de olhos fechados faixas como Amor pra Recomeçar ou Por Você, clássicos indefectíveis na voz rouca, mas incisiva, do roqueiro. Seguro do estilo que o fez popular na carreira-solo, após experimentar a rebeldia juvenil do Barão Vermelho, Frejat prefere não se aventurar em nenhuma grande mudança estética ou musical. Faixas do novo disco, Cartas e Versos e Por Mais que Eu Saiba, ambas feitas em parceria com Leoni, outro sobrevivente da explosão pop brasileira dos anos 80, estão tão carregadas com o DNA de Frejat que poderiam ter sido incluídas em qualquer um de seus primeiros álbuns sem destoar. “Faço basicamente o que quero em termos de criação, sem dar satisfação para ninguém”, diz o cantor.
Apaixonado por guitarra desde a adolescência, Frejat se juntou aos amigos Guto Goffi, Maurício Barros e Dé Palmeira para formar, no início da década de 80, o icônico grupo Barão Vermelho. Cazuza (1958-1990) entrou na banda logo depois e se tornou um dos melhores amigos de Frejat. A parceria rendeu frutos que marcaram a história do rock nacional, como Todo Amor que Houver Nessa Vida e Pro Dia Nascer Feliz — esta, aliás, usada recentemente de forma indevida por uma campanha política da direita, o que levou o cantor a ligar para os organizadores e pedir a eles que não a utilizassem mais.“É triste um compositor ver a sua música usada para argumentar o oposto do que ele acredita”, lamenta.
Em contínuo contraste com a alma inquieta de Cazuza — e de boa parte do meio do rock —, Frejat sempre encarnou o bom moço: conheceu sua mulher em 1987 e está com ela até hoje, e passa longe de polêmicas. Quando Cazuza deixou a banda, Frejat assumiu a liderança e o microfone principal. Disciplinado, executou muito bem a tarefa de conduzir o grupo por décadas de sucesso até os anos 2000, quando decidiu, assim como o talentoso amigo do passado, experimentar a carreira-solo. O rompimento definitivo se deu em 2017, quando Rodrigo Suricato entrou em seu lugar no Barão. A mudança foi necessária e bem-vinda: ele não combinava mais com o figurino do rock anos 80. Maduro, Frejat sabe como admirar, com cautela, a vista do alto de um precipício.
Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691
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