Quando o metrô de Moscou começou a ser construído, em 1931, a pioneira Londres já tinha trens subterrâneos há quase setenta anos. Como não podiam ser os primeiros — uma obsessão da URSS —, cabia aos soviéticos pôr de pé o sistema mais majestoso já visto, escancarando para o mundo a força e o desenvolvimento da potência socialista. Assim, tomaram como inspiração a luxuosa arquitetura dos antigos czares, dando ao transporte público o epíteto de “Palácio do Povo”. Sustentadas por colunas de mármore e com lustres de cristais pendendo do teto, as elaboradas estações se espalharam por toda a União Soviética. Elas ganharam agora um retrato definitivo pelo olhar do fotógrafo alemão Frank Herfort, que há dez anos reside em Moscou. Ele retratou 770 estações espalhadas por Rússia, Uzbequistão, Belarus, Ucrânia, Azerbaijão, Geórgia, Republica Checa e Hungria, entre 2014 e 2020. O resultado está reunido no livro recém-lançado na Europa Cccp Underground: Metro Stations of the Soviet Era (URSS subterrânea: as estações de metrô da era soviética, em português), ainda sem tradução no Brasil. “Tive uma infância de influência soviética na Alemanha Oriental e sempre me interessei por esse mundo que desapareceu com a queda do muro de Berlim”, contou ele a VEJA.
Cccp Underground: Metro Stations of the Soviet Era
O principal representante de tamanha ostentação é o metrô de Moscou. Inaugurada em 1935, a malha de 412 quilômetros conta com 241 estações — sendo 44 delas patrimônio cultural do país. Revestidas de materiais nobres, como mármore e granito, com tetos que vão do abobadado ao futurístico, e mosaicos artesanais, as estações serviram de instrumento político de Josef Stalin (1878-1953) para propagar seu discurso anticapitalista. “Antes da Revolução Russa, os palácios eram ambientes restritos à aristocracia. A ideia do metrô era tornar grandioso um lugar onde as pessoas frequentam cotidianamente”, explica o historiador Rodrigo Ianhez, radicado na Rússia há dez anos. Assim, as estruturas mais pomposas datam do período stalinista, como a Komsomolskaya, batizada em homenagem aos Komsomol, juventude comunista que participou de sua construção — o que até hoje levanta questões sobre o uso de mão de obra escrava disfarçada de ato patriótico. A estação de teto amarelo e ornamentos barrocos é a mais movimentada do sistema, que recebe 9 milhões de pessoas por dia.
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Item obrigatório nas paradas, os lustres imponentes, que vão do bronze ao cristal, receberam atenção especial do governo soviético, que via na iluminação uma forma de aliar avanço tecnológico e beleza. “Eles construíram uma fábrica dessas peças só para atender ao metrô”, conta Ianhez. Nos anos 90, com a queda do regime, os exageros deram lugar à praticidade, com azulejos em vez de mármore em alguns locais. A partir da era do presidente Vladimir Putin, no entanto, retomou-se o apreço pelo luxo “para todos”. Não por acaso, essas estruturas majestosas se tornaram atrações turísticas e cenário para selfies — as estações possuem até indicações no chão que sugerem os melhores ângulos para fazer uma foto. Evidentemente, Herfort não precisou desse tipo de dica para retratar os palácios subterrâneos do comunismo.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764
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