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For-mi-dá-vel! Uma noite para calar a boca da extrema direita xenófoba e racista

A apresentação da cantora Aya Nakamura, francesa de 29 anos nascida no Mali, entrou para a história como resposta ao preconceito

Por Fábio Altman, de Paris
Atualizado em 26 jul 2024, 18h23 - Publicado em 26 jul 2024, 16h18
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  • Uma hipótese, que hoje soa implausível, mas cabe arriscar: e se, numa suposta Olimpíada de 1951 em Paris, Edith Piaf fosse convidada ao palco para cantar um de seus clássicos, Padam, Padam, lançado naquele ano? Haveria grita dos conservadores, a intelectualidade isolada em torres de marfim. Os deputados da extrema direita a acusariam de não representar o hexágono. Reclamariam, em francês castiço, das gírias populares que ela emprestava de bairros populares, dos cabarés mal iluminados e de sua origem argelina, da região montanhosa da Cabília. E então, quando abrisse a boca, com aquele vozeirão rasgado, a pequenina intérprete pareceria ter o tamanho do imenso Victor Wembanyama, o fenômeno do basquete da França.

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    A reação contra Piaf, há sete décadas, com o perdão pela comparação, seria equivalente ao dilúvio de ataques disparados meses antes dos Jogos de agora contra a cantora Aya Nakamura, em triste espetáculo de xenofobia e racismo, não exatamente nessa ordem. Francesa nascida no Mali, ela reinventa o idioma de Verlaine, mistura com o inglês, inventa palavras, intercala sotaques — como, reafirme-se, fazia La Môme. Ainda que a pegada pop de Aya incomode muita gente, e muitos a consideram musicalmente ruim, é inquestionável o seu poder de misturar letra e melodia e desse casamento iluminar um pedaço da sociedade posta à margem, de imigrantes empurrados para o subterrâneo da existência. Vá lá, uma comparação possível, e atire a primeira pedra quem não concordar: ela é uma mistura de Anitta com Beyoncé.

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    FRANCE - 1961: Edith Piaf (1915-1963), French singer. Paris, Olympia, in January, 1961. (Photo by Roger Viollet via Getty Images/Roger Viollet via Getty Images)
    Edith Piaf: ela também foi criticada ao usar gírias, ao reproduzir o francês de bairros populares (Roger Viollet/Getty Images)

    Em março deste ano, quando o nome de Aya, de 29 anos, começou a circular como um dos destaques da cerimônia no Sena, a estupidez da extrema direita quis fazê-la pária, quis tirá-la da festa. Uma faixa pendurada à margem do rio gritava: “Nada de Aya. Aqui é Paris, não o mercado de Bamako”. Os idiotas de sempre, alegando o mau uso do idioma, cegos à riqueza de culturas, a ofenderam nas redes sociais. Um grupo, Les Natifs, alegou que ela não representaria a cultura francesa. Em um comício do Reagrupamento Nacional, o partido de Marine Le Pen, o nome da artista foi achincalhado. Há, em andamento, um processo jurídico por racismo. “Os grandes criadores mudam os códigos, incomodam, encaminham novos comportamentos”, disse Alain Veille, executivo da Warner Music France, que a tem no catálogo.

    Mas Aya venceu, e bonito, em dois turnos — antes, na eleição parlamentar de julho, e na noite parisiense de hoje. Diante do risco de vitória da direita radical, há quase um mês, ela não teve dúvida: pediu votos contra a turma do negacionismo, que seria derrotada pela movimentação da chamada Nova Frente Popular, de esquerda. E a partir deste histórico 26 de julho, aos olhos do mundo, mandou às favas os muros do preconceito. Aya Nakamura virou Edith Piaf.

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    Como nota irônica,  se apresentou muito perto de onde, há alguns meses, penduraram a faixa agressiva exigindo que ela deixasse a França. Cantou For Me, Formidable, de Charles Aznavour,  mesclado com dois de seus sucessos, Djadja e Pookie, acompanhada da Banda Republicana. A plateia riu com os olhares insossos, de algum espanto, dos músicos-soldados — em postura intencional, é claro, mas que sublinhou o desconforto da oficialidade com Aya. Foi um dos momentos mais interessantes da cerimônia, dada a relevância cultural e histórica da personagem. E não por acaso, para desafinar o coro dos descontentes, a exibição aconteceu na Pont des Arts, que culmina no Institut de France — ali onde Henri Cartier-Bresson fotografou Jean-Paul Sartre em 1946 na mais conhecida imagem do intelectual.

    “For me, for-mi-da-ble”, como entoaria Aznavour, e como entoou Aya Nakamura. Ou então, o “inferno são os outros”, na pena de Sartre.

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    Jean-Paul Sartre
    Sartre: na mesma Pont des Arts do show de Aya (Henri Cartier-Bresson//)

     

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    Recorde atrás de recorde

    Para quem a conheceu apenas agora, cabe uma série de alertas afeitos a oferecer o tamanho da moça. O clipe do megassucesso Djadja foi visto mais de 900 milhões de vezes no YouTube. Mais de 4 milhões de pessoas a seguem no Spotify. O álbum Nakamura, de 2018, foi escutado mais de 1 bilhão de vezes. No total, suas canções foram baixadas mais de 7 bilhões de vezes.

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    Para conhecê-la melhor, duas dicas: ouvir os álbuns Nakamura, de 2018, e AYA, de 2020.

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