Fernanda Montenegro, 90 anos: cinco marcos da carreira da atriz
Considerada dama da atuação brasileira, artista celebra 90 anos de idade com prolífica carreira no cinema, teatro e TV; confira destaques
Não à toa chamada de dama da dramaturgia brasileira, a atriz Fernanda Montenegro ostenta uma prolífica carreira com papéis memoráveis no teatro, na televisão e no cinema. Em plena atividade, Fernanda comemora 90 anos de idade nesta quarta-feira, 16. Sua contribuição para a cultura brasileira foi reconhecida nesta data pela Câmara dos Deputados, que realizou uma sessão solene em homenagem ao seu aniversário.
VEJA garimpou cinco momentos marcantes — e alguns adjacentes — da jornada da atriz ao longo de sete décadas de carreira:
O Beijo no Asfalto — e a paixão pelo teatro
Grande entusiasta dos palcos, Fernanda Montenegro tem o teatro como um dos pilares de sua carreira. Em 1961, estreou Beijo no Asfalto, peça de Nelson Rodrigues encomendada especialmente para a atriz. No enredo, um desconhecido é atropelado por um bonde e pede a Arandir, que estava no veículo, que o beije antes da morte. Fernanda interpreta a esposa de Arandir, Selminha, que se recusa a acreditar na história do marido e acusa-o de ser homossexual. A peça se desenrola de maneira surpreendente enquanto discute conceitos de sexualidade e moralidade.
O sucesso rendeu adaptações cinematográficas com direção de Flávio Tambellini (1964), Bruno Barreto (1981) e Murilo Benício (2018). Na última versão, Fernanda retorna à história como Dona Matilde, vizinha que relata à Selminha (dessa vez interpretada por Débora Falabella) a suposta traição do marido. O filme ainda trás discussões de bastidores, com algumas pílulas de Fernanda contando como foi a montagem e a recepção da peça nos anos 1960.
Central do Brasil — O cinema nacional no Oscar
Em 1999, Fernanda Montenegro foi indicada ao Oscar por sua emocionante interpretação da personagem Dora no belo Central do Brasil, que também recebeu uma indicação na categoria de melhor filme estrangeiro. Apesar de não ter saído vitoriosa — a estatueta ficou (injustamente) com Gwyneth Paltrow por Shakespeare Apaixonado —, a indicação é um marco não só na sua carreira, mas também na história do cinema nacional: Fernanda é, até hoje, a única atriz brasileira a ser indicada na premiação.
Sua jornada no cinema, porém, vai além de Central do Brasil. Fernanda fez sua estreia nas salas escuras no Cinema Novo com o filme A Falecida (1964), passou pelo Festival de Veneza com Eles Não Usam Black-tie (1981) e conquistou o grande público com o delicioso O Auto da Compadecida (2000), no qual interpretou Virgem Maria (A Compadecida). Atualmente, ela interpreta Eurídice Gusmão no longa A Vida Invisível, vencedor da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes e representante brasileiro na corrida por uma vaga no Oscar em 2020.
Guerra dos Sexos — protagonismo na Globo
Primeira protagonista de Fernanda em uma novela da Rede Globo, Charlô, de Guerra dos Sexos, odeia o primo Otávio (Paulo Autran) – com quem teve um romance na adolescência. Um tio milionário morre e deixa como condição que a dupla divida a mesma casa e trabalhe na mesma empresa para ganhar a herança. Em determinado ponto, Charlô propõe uma disputa com o primo para alavancar as vendas de uma loja: quem ganhar, leva tudo. A batalha cômica assinada por Silvio de Abreu foi um sucesso de audiência (ganhou uma versão como programa de auditório, em 1984, e, em 2012, um remake). Foi também um marco na carreira de Fernanda na TV – na época, ela já ostentava mais de três décadas de trabalho em outros canais, como TV Tupi e TV Excelsior, mas foi a partir dali que ela conquistou o cargo de protagonista da maior emissora do país. Tanto que, pouco depois, em 1986, já encabeçava outra novela, como a trambiqueira Leonarda Furtado de Cambalacho.
Babilônia — entre o Emmy e o beijo gay
Desde sua estreia na década de 1950 na TV, Fernanda não tem descanso: todo ano, entre séries e novelas, ela dá as caras em produções globais. Na leva recente, a atriz causou comoção por diversos motivos. Em 2013, com a série Doce de Mãe, ela conquistou uma vitória inédita para o Brasil no Emmy – cerimônia que elege o melhor da TV mundial. Na trama, a atriz interpreta Dona Pichucha, uma viúva de 85 anos que quer viver sozinha e enfrenta a resistência da família. A doçura cômica da personagem pouco lembra outros papéis marcantes da veterana nas últimas duas décadas da TV. Sobressaem em seu longo currículo papéis como a amalucada estrela da novela Zazá (1997), a vilã ardilosa e podre de rica de Belíssima (2005-2006) e a personagem Teresa, que causou polêmica por ser casada com Estela (Nathalia Timberg), com quem, claro, protagonizou cenas de beijo gay em Babilônia (2015).
Biografia Prólogo, Ato, Epílogo: Memórias — e a resistência da cultura
Escrita em parceria com a jornalista Marta Góes, a biografia Prólogo, Ato, Epílogo: Memórias, lançada recentemente pela Companhia das Letras, faz parte da celebração dos 90 anos da atriz. O livro traz memórias tanto da vida profissional como da vida pessoal de Fernanda, da trajetória no rádio, no teatro, na televisão e no cinema e também recordações familiares e dos 60 anos de convivência com seu marido, ator e produtor Fernando Torres.
Em São Paulo, o lançamento ocorreu no Theatro Municipal no dia 6 de outubro e contou com a presença do Prefeito Bruno Covas, do Secretário de Cultura, Alexandre Youssef, e do dramaturgo Zé Celso. Em um teatro lotado, a atriz protestou contra os ataques à classe artística e às ameaças de censura que vem ocorrendo no Brasil. “Ninguém ou sistema nenhum vai nos calar”, afirmou a atriz, que foi aplaudida de pé pelo público.