Como será sua volta aos palcos neste sábado, 18, no C6 Festival, em São Paulo, após trinta anos dedicados à literatura e ao teatro? O show se chama Favelost, mesmo nome do livro que lancei em 2012. Favelost conta a história de um enclave no Brasil, que reuniu Rio e São Paulo para se livrar de toda a mediocridade que tomou o país. No show, um casal quer entrar nessa mancha urbana, mas precisa vencer um baile, um pedágio dançante. É uma homenagem ao filme A Noite dos Desesperados, de 1969, com Jane Fonda.
Num ano de calor extremo e crise na segurança pública, Rio 40 Graus reconquistou sua atualidade? Em relação à sensação térmica, está até defasada, já que está batendo 60 graus no Rio. No que diz respeito à criminalidade, está cada vez mais recrudescendo. Não só aqui, como em todas as metrópoles brasileiras. Há uma confusão entre o institucional e o Estado paralelo.
Então as críticas sociais de suas músicas agora servem para todo o país? Kátia Flávia habita o mundo cão, e o Rio é um grande submundo. Falo principalmente de Copacabana: havia uma bandidagem, um tumor, que foi aumentando e a cidade tentava combatê-lo. Mas ele cresceu tanto que agora é o contrário: é a cidade que vive dentro de um tumor. Isso agora se espraiou para o governo do país inteiro. Veja o caso do orçamento secreto: o presidente Lula não tem mais a chave do cofre. É a subversão institucional.
Concorda quando dizem que Kátia Flávia foi o primeiro rap nas rádios brasileiras? Rap é ritmo e poesia. Em uma visão ampla, até as falações religiosas são raps. Minha inspiração no rap foi minha avó rezando o terço, com aquele ritmo teatral. A amplitude da palavra falada está em tudo. Obviamente, a jovem guarda negra, a partir dos anos 1990, com os Racionais MC’s e sua poética dos sentimentos periféricos, é o que conhecemos por rap. Dito isso, Kátia Flávia foi, sim, o primeiro rap quando se trata da linguagem. E a letra fala de uma mulher poderosa do submundo. Ao que me consta, depois dela nenhuma igual surgiu.
O funk virou música brasileira tipo exportação? A Furacão 2000 é o Kraftwerk da favela. Mas não acredito que o funk vá explodir tanto assim. A própria Anitta já abraçou o reggaeton.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893