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Em livro de ensaios, Míriam Leitão disseca o ‘desgoverno’ Bolsonaro

A jornalista traça textos afiados que vão das estratégias do presidente para chegar ao poder às políticas que ferem a democracia

Por Vinícius Müller
Atualizado em 4 jun 2024, 13h23 - Publicado em 7 nov 2021, 08h00
OPINIÃO - Míriam: “Vivemos a crise mais dolorosa com o pior governo que já tivemos” -
OPINIÃO – Míriam: “Vivemos a crise mais dolorosa com o pior governo que já tivemos” – (Leo Avesa/Agência O Globo)

Há alguns anos, questionado sobre quem seria o pior presidente de nossa história, Fernando Henrique Cardoso indicou Artur Bernardes (1875-1955). Chefe do Executivo entre 1922 e 1926, o mineiro enfrentou sérios desafios mesmo antes de sua posse, violentamente questionada pelo tenentismo. Decretou estado de sítio e governou, em suas palavras, como um “delegado de polícia”. Antes de encerrar sua resposta, FHC destacou que talvez ela fosse embasada não só em seus conhecimentos históricos, mas também pelo fato de seu avô, o general Joaquim Cardoso, ter sido preso sob a acusação de conspiração contra Bernardes.

A Democracia Na Armadilha

A DEMOCRACIA NA ARMADILHA, de Míriam Leitão (Intrínseca; 496 págs.; 89,90 reais e 44,90 reais o e-book) -
A DEMOCRACIA NA ARMADILHA, de Míriam Leitão (Intrínseca; 496 págs.; 89,90 reais e 44,90 reais o e-book) – (./.)

Não há dúvida de que, se a mesma pergunta fosse feita à Míriam Leitão, a resposta seria Jair Bolsonaro. Logo no início de seu novo livro, A Democracia na Armadilha: Crônicas do Desgoverno, a experiente jornalista indica que “vivemos a crise mais dolorosa com o pior governo que já tivemos”. Os argumentos para comprovar a afirmação são apresentados por ela em mais de 150 ensaios curtos e diretos. Para tanto, organiza um mosaico a partir de três pilares: a incongruência entre a campanha e as ações de Bolsonaro, sua incompetência técnica para gerenciar o Estado e o ataque aos consensos que pareciam definidos desde a redemocratização.

Em todos eles, Míriam usa sua notável contribuição ao jornalismo de modo pouco complacente. Identifica a associação entre Bolsonaro e as ideias liberais como uma fraude eleitoral — estratégia que, embora fosse frágil, atraiu desde Paulo Guedes até partes significativas do mercado. Aqui a autora acerta um dos pontos fracos do atual liberalismo brasileiro: ao ser instrumentalizado por aqueles que superficialmente o entendem e não o abraçam (no caso, a família Bolsonaro), ele se torna algo quase indefensável.

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A pena afiada da autora se mostra consciente e certeira também quando aponta para a incompetência do governo com questões fundamentais à democracia. Assim, nos lembra de episódios bizarros, como aqueles que envolveram os ex-ministros Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, sem poupar a macabra lambança no enfrentamento da pandemia. Ela conecta os temores em torno do risco vivido pela democracia à política ambiental de Bolsonaro, considerada economicamente contraproducente e politicamente antidemocrática. Uma das melhores passagens do livro é quando diz que a Floresta Amazônica “pede de nós humildade”.

A verdade é teimosa: Diários da crise que adiou o futuro

Fiel ao seu estilo nos comentários televisivos, Míriam é igualmente contundente ao analisar a relação entre Bolsonaro e sua base evangélica e também na condução da Covid-19, que já ultrapassou a marca de 600 000 mortes no Brasil. Como ao afirmar que “o uso da Bíblia e da religião na política serve para atemorizar ou enganar eleitores”. Ou ainda quando afirma que “a verdade é conhecida. Ela é uma só. Bolsonaro é culpado”. Com esse julgamento, de certa forma Míriam repete FHC, mesclando sua virtuosa análise jornalística com sua experiência pessoal nas críticas ao presidente.

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Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763

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