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Elena Ferrante retoma as agruras do amadurecer feminino em novo livro

Em ‘A Vida Mentirosa dos Adultos’, a autora italiana acompanha o desabrochar de uma adolescente a partir dos efeitos de uma complicada relação familiar

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 set 2020, 15h10 - Publicado em 2 set 2020, 12h44
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  • “Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia”. Na verdade, não foi bem isso o que aconteceu com Giovanna, a protagonista de 12 anos de idade do livro A Vida Mentirosa dos Adultos, nova obra da autora napolitana Elena Ferrante. Fato ou não, a frase que abre a narrativa está cravada como um prego enferrujado na mente da jovem, que sofrerá as implicações da sentença ao longo da trama, até atingir o auge da adolescência, aos 16.

    O que seu pai de fato disse, em uma conversa secreta com a esposa – a qual a garota não deveria ter ouvido – é que sua filha, em fase de transição para a vida adulta, estava ficando “a cara da Vittoria”. A comparação com a tia, irmã de seu pai – que, segundo ele, combinava os excessos da maldade e da feiura -, provoca o desmoronar de Giovanna, que se reconstrói em torno da frase.

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    A VIDA MENTIROSA DOS ADULTOS, de Elena Ferrante (tradução de Marcello Lino; Intrínseca; 432 páginas; 59,90 reais e 39,90 o e-book) (./.)

    A fagulha que motivou Elena Ferrante a escrever o novo livro, que acaba de chegar às livrarias do Brasil, vem do clássico Madame Bovary, obra-prima do francês Gustave Flaubert (1821-1880), em que Emma Bovary declara sobre a filha: “como é feia esta menina”. Elena chegou a escrever um artigo na imprensa italiana sobre o impacto que o livro lhe causou, especialmente a ousadia do autor ao macular a então irretocável (e falsa) aura de perfeição da maternidade. Quando a autora tira a frase da boca da mãe e a imagina na do pai, ela dá novo significado aos perigos da declaração, assim como acentua a diferença de influência entre um e outro na vida de uma filha. A autoestima de Giovanna é afetada não só em relação à figura que ela observa no espelho. No cerne de sua jornada, Elena propõe questionamentos. Se uma mulher é feia e má, que valor ela tem? Como a crítica paterna reflete esse valor na dinâmica de seus próximos relacionamentos? E o que significa, de fato, ser feia e má?

    Leitores antigos da misteriosa autora – que não teve sua identidade revelada até hoje e, segundo especulações, pode ser na verdade um homem – reconhecerão aqui temas recorrentes de sua obra, muitos deles explorados na popular tetralogia iniciada com A Amiga Genial (2011). O primeiro deles é a dureza do  amadurecer feminino e suas idiossincrasias — apesar da literatura de formação ser ampla, são raros os exemplares que se desviam do protagonista masculino. Outro tema, que no fundo se transmuta também em personagem, é Nápoles, cidade italiana onde a autora localiza suas tramas. Em A Vida Mentirosa dos Adultos, ela separa de forma ainda mais contundente suas camadas sociais. Os cenários são divididos entre os bairros prósperos que ficam no alto da região, e o “lá em baixo”, área industrial menos abastada e de pessoas de modos duvidosos. É lá que vive a tal tia Vittoria.

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    Após a fatídica frase do pai, Giovanna decide que quer conhecer a tia. Nesse processo, um mundo bem distinto do seu se abre. E todo este mundo gira em torno de Vittoria, uma mulher que lhe causará, na mesma medida, repulsa e paixão. O encontro ainda vai abrir uma caixa de pandora no reduto de riqueza por onde os pais de Giovanna transitam. Elena Ferrante não costuma pegar leve com suas protagonistas. Mas suas sinas, mesmo duras, resultam em personagens e leitores transformados até a última página.

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