Delia Owens e o peculiar livro que Reese Witherspoon transformará em filme
Best-seller nos Estados Unidos, autora de ‘Um Lugar Bem Longe Daqui’ fala a VEJA sobre inspiração para a trama de garota que cresce isolada no pântano
A zoóloga americana Delia Owens é antiga frequentadora das listas de mais vendidos nos Estados Unidos. Ao lado do marido, Mark Owens, a cientista teceu livros sobre meio ambiente, os perigos da extinção de espécies entre outros sobre a natureza selvagem na África, continente onde o casal viveu por anos, em diferentes países – e até em acampamentos isolados no meio da savana. Delia, agora, se espanta com um novo tipo de sucesso. Aos 70 anos de idade, ela lança sua primeira ficção, Um Lugar Bem Longe Daqui (Intrínseca) que já soma estonteantes 3 milhões de cópias vendidas em seu país. A popularidade do título aumentou quando ele caiu nas graças de Reese Whiterspoon, que indicou o livro em seu clube de leitura e ainda adquiriu os direitos para uma adaptação cinematográfica.
Ambientado em uma área pantanosa no litoral da Carolina do Norte, a trama acompanha o processo de amadurecimento de Kya, uma garotinha de 6 anos que, abandonada pela família, precisa aprender a se virar em um casebre afastado da cidade. Entre um capítulo e outro, um mistério: quando adulta, Kya será suspeita de um crime próximo ao lugar onde ela vive. Em entrevista a VEJA, Delia fala da inspiração para a trama e os efeitos do isolamento, já experimentados por ela própria.
Como nasceu a inspiração para Um Lugar Bem Longe Daqui? O livro conta uma história fictícia. A ideia veio de experiências que eu vivi quando era criança, na Geórgia. Minha mãe me incentivava a ir além e a explorar a floresta de carvalhos das redondezas, aventuras que eu vivia acompanhada de amigas, andando a pé ou a cavalo. Ela queria que eu experimentasse a natureza de verdade, que encontrasse lugares onde raposas e cervos se comportassem livres, sem a interferência humana. Me inspirei nessa sensação, no desejo de descobrir o que podemos aprender sobre nós mesmos se estivermos distantes, em meio às maravilhas do mundo natural.
Sua experiência na África influenciou de alguma forma a trama do livro? Sou zoóloga e conduzi uma ampla pesquisa sobre espécies em perigo de extinção na África por 23 anos. Durante este período, fiquei fascinada ao perceber o vínculo entre grupos de mamíferos – desde a alcateia de leões, bando de beduínos, ou horda de elefantes – estes coletivos não são formados pelos dois sexos, mas principalmente por fêmeas. Entre humanos, sabemos que as mulheres têm uma propensão genética maior para firmar laços. Então quis escrever um romance que explorasse como o isolamento afetaria uma garotinha forçada a viver e amadurecer sem o apoio de um grupo.
A senhora já acampou por longos períodos longe da civilização. Isolamento é algo que te atrai ou te assusta? Não tenho medo do isolamento, mas aprendi, vivendo em lugares remotos, que o afastamento pode mudar uma pessoa. Quando eu retornei destes acampamentos, me esforcei para fazer amigos e voltar a ser parte de grupos. Mas, ao mesmo tempo, eu me sentia tímida e antissocial. Tinha dificuldade de me aproximar de pessoas, apesar de querer desesperadamente pertencer a um grupo. Mas, claro, uma pessoa não precisa viver no deserto para se sentir isolada ou solitária. Quando voltei de vez para os Estados Unidos, percebi que muitos dos meus amigos que moram em cidades grandes se sentiam muito solitários. Acho que por isso o livro alcançou muitos leitores. De algum modo, é possível se reconhecer em Kya e sua solidão, e aprender com as experiências vividas por ela.
Como foi a decisão de saltar de livros científicos para escrever uma ficção? Sou uma pessoa que ama cavalos. Para mim, escrever não-ficção é como cavalgar dentro dos limites do curral. Você fica limitado pelos fatos – não se pode mudar a linha do tempo, a história ou um personagem, pois é necessário se ater à verdade. Escrever ficção é como cavalgar do outro lado da cerca, galopar livre pelo campo. Você pode ir para qualquer direção que quiser, pode mudar e criar personagens e suas histórias. O limite é sua imaginação, e a minha ficou muito livre e empolgada com a oportunidade de explorar a ficção.
Kya vive em um pântano. Este ambiente lhe é familiar? Ou precisou de muita pesquisa para usá-lo como cenário? Eu cresci no sul da Geórgia, região que possui muitos pântanos. Eu costumava andar de canoa e acampar com minha mãe em locais do tipo, então os conheço bem. Também passei diversas férias na Carolina do Norte, onde a história do livro acontece. Claro que quando decidi ambientar a trama ali, viajei até a área para refrescar minha memória e pesquisar sobre. Me embrenhei ali na natureza e fiquei parada, quieta, ouvindo o canto e o barulho dos pássaros da região. Senti a brisa e espetei meus dedos em plantas espinhosas. Me sinto em casa na natureza.
Kya sofre preconceito dos moradores da cidade próxima ao pântano. Por que essa escolha? A discriminação é um componente comum da solidão. Quando uma pessoa é rejeitada, ela pode se sentir sozinha, inferior, assustada, envergonhada. Estes sentimentos afetam o modo com alguém se vê ou se comporta. Kya não estava só fisicamente isolada, ela foi rejeitada por pessoas, experiência que mostra como o preconceito pode magoar alguém. Mas ela também nos ensina muito sobre o quanto podemos conquistar sozinhos: se você consegue sobreviver, e lidar com um problema de cada vez, se tornará forte e independente. Assim que você aprende a se respeitar, começa a ganhar o respeito de outros.
Reese Witherspoon vai adaptar seu livro para um filme. Como foi essa negociação e em que pé está o projeto? Minha agente me ligou dizendo que Reese Witherspoon queria os direitos de adaptação do meu livro e eu me senti honrada. Ela é uma produtora respeitada na indústria cinematográfica e esteve por trás de filmes ótimos, como Garota Exemplar e Livre. Neste momento, o roteiro está sendo escrito.