A americana Olivia Rodrigo precisou de meros trinta segundos para apresentar o hit Driver’s License ao mundo. Em um vídeo absurdamente simples, postado no TikTok no fim de 2020, a cantora de 18 anos surgia apenas com um violão, sentada diante de uma parede branca. O tempo exíguo mal permitia ouvir o refrão da canção. Um mês depois, contudo, Driver’s License já dava sinais claros do fenômeno que se tornaria. Disponibilizada em janeiro no Spotify, a faixa está prestes a entrar no seletíssimo grupo do bilhão de execuções na plataforma de streaming. Meses depois, Olivia usaria o TikTok de novo como ponta de lança para Good 4 U, responsável por resgatar do limbo o famigerado pop-punk, estilo híbrido que grassou nas paradas nos anos 2000 e é ressuscitado agora com novas faces após o impulso inicial de Good 4 U. O caso de Olivia é o exemplo perfeito de como os novos ídolos estão sendo forjados no século XXI. Embora a artista já fosse conhecida dos adolescentes por atuar em algumas séries do Disney Channel, seu sucesso mundial só veio mesmo após viralizar no TikTok.
Com sua profusão de filmes curtíssimos e dancinhas abiloladas, a potência digital chinesa leva ao paroxismo a efemeridade oca das redes sociais — mas vá falar isso para seu filho, neto, irmão, sobrinho ou qualquer outro jovem. Com público majoritariamente adolescente, o TikTok tem hoje 800 milhões de usuários por mês, atrás apenas do Facebook, YouTube e Instagram. No que diz respeito à viralização musical, porém, é imbatível: tornou-se a principal vitrine nessa seara e determina virtualmente tudo o que faz sucesso no mundo.
Para quem não é familiarizado com a plataforma, é difícil entender como ocorre o consumo de música por lá, já que as faixas nunca são executadas integralmente: as postagens têm limites de tempo que variam de quinze segundos a três minutos. Em geral, só os refrões são aproveitados como trilha sonora para embalar as tais dancinhas ou desafios repetidos ad aeternum pelos usuários. Pois acredite: essa aparente limitação se tornou a régua da produção musical contemporânea (ao menos enquanto o TikTok não for trocado por outra rede na preferência juvenil, claro). Artistas, gravadoras e empresários agora têm de se moldar ao padrão TikTok.
Do ponto de vista histórico, a música pop sempre precisou mudar para se adaptar às diferentes tecnologias de consumo que iam surgindo, do rádio ao advento do streaming (veja o quadro). A invenção dos hits radiofônicos, por exemplo, forçou os compositores a limitarem suas canções a até 3 minutos de duração, enquanto os videoclipes fizeram com que os artistas priorizassem o visual. “A grande diferença do TikTok é a velocidade com que ele se consolidou no mercado e o alcance de sua influência. O YouTube demorou mais de uma década para se estabelecer”, aponta o produtor musical João Marcello Bôscoli. Ele explica que o TikTok fez com que as composições fossem reduzidas a ínfimos “resumos” de quinze segundos. “É como ler apenas os títulos dos textos, e não o seu conteúdo”, diz Bôscoli. Ele considera que essa característica do TikTok é só um reflexo dos tempos fátuos em que vivemos: “Se a rede propusesse algo diferente, talvez não vingasse”.
Sua ascensão deu origem a uma certa “ciência” de como se dar bem em seus vídeos. O rapper brasileiro Gagui Tatto, de 19 anos, é mais um entre tantos novatos que foca a divulgação de suas músicas no TikTok. Das batidas à coreografia, tudo é calculado para bombar ali. “Estudei as músicas que mais fizeram sucesso para criar a minha. O grave ficou mais forte e tem um refrão chiclete”, diz Tatto. A receita para o sucesso no TikTok, portanto, é básica: é preciso uma batida marcante, ideal para uma coreografia que possa ser feita com a câmera na vertical, e alguns versos marotos de poucos segundos fáceis de memorizar. As músicas têm de abrir com um refrão logo de cara, para se encaixar nas dancinhas. O próximo passo é convencer influenciadores a bailar com sua música e estimular outros usuários a fazer memes com as letras.
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A estratégia é alinhada, inclusive, com as grandes gravadoras. A Sony americana contratou o primeiro artista de sucesso a surgir no TikTok, o rapper Lil Nas X, que estourou na rede com Old Town Road, música mais tocada nos Estados Unidos em 2019. “De lá para cá, passamos a monitorar mais de perto as canções e dancinhas que explodiam no aplicativo e começamos a incentivar os artistas a criar perfis na plataforma”, conta Maria Clara Guimarães, executiva da Sony Music Brasil. Thiago Abreu, gerente da Warner, revela que a gravadora criou um time de analistas focados em mapear como as audiências se comportam na rede chinesa. Mas, entre o cálculo teórico e o êxito de fato, lembra ele, há uma distância imponderável: “O TikTok traz conteúdos tão diversos que é difícil definir uma fórmula mágica para a viralização de uma canção”.
A velocidade com que as músicas se destacam e depois somem na rede é estonteante. Ainda assim, Gian Martinez, CEO da startup brasileira Winnin, que mapeia a cultura das redes sociais, detecta um padrão: há resiliência maior do rap, dos ritmos latinos e do k-pop de grupos como o BTS. No Brasil, o funk, o pagode e o forró também são relevantes. O mais recente fenômeno é o pernambucano João Gomes. Completamente desconhecido até um mês atrás, o rapaz de 18 anos se converteu esta semana no brasileiro mais tocado no mundo no Spotify com o forró Meu Pedaço de Pecado — que é tosco, mas tem uma paradinha no refrão que virou ouro puro no TikTok. Artistas como Anitta, sempre ela, captaram a oportunidade e agora se exibem quanto podem por lá.
No exterior, rappers como Megan Thee Stallion, Cardi B e Doja Cat, além das cantoras pop Dua Lipa e Ashnikko, também souberam aproveitar a rede social para bombar suas carreiras. Mas o caso mais emblemático é mesmo o de Olivia Rodrigo. Ícone da geração Z, ela está ajudando a impulsionar a onda do pop-punk, ao lado de “crias” como Willow Smith (filha de Will Smith), Yungblud, Machine Gun Kelly e Jxdn. Todos capricham no visual transgressor, mas cantam letras insossas e fugazes. Em um mundo tão apressado, ser ouvido por quinze segundos já é uma vitória.
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748
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