David Nicholls recupera a bem-sucedida fórmula de ‘Um Dia’ em novo livro
Com 'Uma Dor Tão Doce', o inglês ensina como ser piegas sem perder a fleuma
Bem antes de dominar as listas de best-sellers com o livro Um Dia, em 2009, o inglês David Nicholls tentou a sorte como ator. Parte dessa breve carreira de menos de uma década transcorreu no reputado National Theatre, em Londres. Lá, ele diz ter percebido quanto era “medíocre e insosso” na atuação. Ao relatar a VEJA que já dividiu o palco com a gigante Judi Dench em uma montagem de A Gaivota, do russo Anton Chekhov, Nicholls não se gaba: prefere temperar a história com uma pitada de seu ácido humor autodepreciativo. “Eu era um camponês sem falas”, diz. Ele se impôs um prazo: se até os 30 anos não vingasse como ator, largaria os palcos. Nicholls nem esperou tudo isso. Aos 29, notou ter mais habilidade com a palavra escrita. “O teatro britânico respirou aliviado quando me aposentei”, brinca. Já o mundo agradeceu: assim surgiria um autor capaz de conjugar elegância e apelo pop.
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Conversar com David Nicholls, hoje aos 53 anos, é como ler um de seus livros. Em poucas frases, ele envolve o interlocutor ao descrever cenas e emoções de forma prática, mas poética, até encerrar a frase com uma tirada irônica. É a mesma fórmula que embala sua concisa obra de cinco livros, cujas tramas são movidas pelo mais piegas e escapista dos sentimentos: sim, o amor. Eficaz, Nicholls soma 8 milhões de cópias vendidas no mundo — 600 000 no Brasil. A naturalidade ao manipular com delicadeza os sentimentos do leitor foi a lição mais valiosa aprendida por ele no teatro e na leitura de peças de William Shakespeare. Seu quinto livro, Uma Dor Tão Doce, recentemente lançado no país, é seu trabalho mais pessoal. Na trama, Charlie, de 16 anos, lida mal com o divórcio dos pais. Ressentido, ele se refugia em uma trupe de teatro, que está montando uma versão de Romeu e Julieta. Charlie é um péssimo ator, mas o grupo, desfalcado, o aceita de braços abertos. Lá, ele se apaixona perdidamente pela intérprete de Julieta.
Uma Dor Tão Doce encerra um ciclo iniciado dez anos atrás, quando Um Dia se tornou fenômeno pop. O romance foi vertido em um bem-sucedido filme estrelado por Anne Hathaway e Jim Sturgess, sobre o início da vida adulta de um casal em trilhas opostas. “O sucesso me causou um bloqueio criativo. Eu deveria escrever Um Dia 2?”, pensou. O caminho fácil da continuação foi evitado por Nicholls, que preferiu investir em tramas distintas, mas que guardam certa conexão autoral. O resultado é uma trilogia — entre Um Dia e o novo livro, houve Nós (2014), que ilumina os esforços de um pai para reconquistar a esposa e o filho. “São três comédias trágicas que falam sobre amadurecer, paixão, família e despedidas.”
A popularidade nas livrarias ainda impulsionou a carreira de roteirista — nascida lá atrás, no teatro. Além de assinar as adaptações da própria obra — Nós está em produção para virar uma minissérie na BBC —, Nicholls tem se aventurado fora de sua zona de conforto. O melhor resultado veio com a impactante minissérie Patrick Melrose (2018), protagonizada por Benedict Cumberbatch e adaptada de cinco novelas de Edward St Aubyn. A série trata de um jovem rico afundado no vício em drogas, tentando expiar os abusos que sofreu do pai na infância. “Tive de passar por um teste. Havia uma desconfiança no ar sobre se o autor de Um Dia seria adequado para o trabalho”, revela. O ponto fora da curva deu a Nicholls nova relevância — além de um prêmio Bafta, o principal da teledramaturgia inglesa. Ele garante não ter o desejo de adaptar novamente o próprio trabalho. Logo, se Uma Dor Tão Doce virar série ou filme, será pelas mãos de outro roteirista.
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No momento, aliás, Nicholls não tem escrito nada. A quarentena lhe causou outro bloqueio criativo. Como a esposa, com quem está há vinte anos, continua trabalhando, Nicholls assumiu as tarefas domésticas e o cuidado com os dois filhos adolescentes. “Eu me sinto perdido sem escrever, é um período de incertezas”, diz. Por anos, conta ter rechaçado a insistência do contador para que fizesse um testamento. “Agora, eu tenho um testamento”, afirma, arrematando a conversa com suas doses típicas de humor e melancolia aplicadas à pandemia.
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Clique e AssinePublicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689
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