Sob a tutoria de tias atrapalhadas e acompanhada de um gato falante, Sabrina, da série Aprendiz de Feiticeira (1996-2003), era uma simpática adolescente loira meio-humana, meio-bruxa, que buscava passar nos testes que lhe dariam uma “carteirinha” de feiticeira. Se falhasse, perderia os poderes que davam graça ao roteiro — como quando ela transformou uma inimiga em abacaxi. Clima totalmente oposto é visto em O Mundo Sombrio de Sabrina, nova produção original da Netflix, inspirada em um filão macabro de quadrinhos da Archie Comics.
Protagonizada por Kiernan Shipka, a série do canal de streaming retrata as bruxas com antigos elementos do terror opostos à trivialidade engraçada da produção dos anos 1990, que ajudou a popularizar a figura da “bruxa boa”, com direito a rituais na floresta e amizade com Satanás. A mudança de ares reforça o ciclo de representação da mítica personagem ao longo da história do cinema e da TV, ora com contornos diabólicos, ora sob uma ótica mais amigável. As adaptações surgem em resposta a desdobramentos tecnológicos, políticos, religiosos e, em especial, ao crescimento do movimento feminista.
O estereótipo da bruxa má na ficção é uma herança direta das chamadas bruxas da Idade Média, alvo dos Tribunais da Inquisição da Igreja Católica aliada aos poderes do Estado. Ao longo de 300 anos, mulheres foram as principais vítimas da perseguição de rebeldes. Muitas foram taxadas de feiticeiras por seus conhecimentos de medicina natural, outras pela beleza que atraia homens casados. Os argumentos para tais atrocidades foram encontrados em textos bíblicos, usados fora de contexto, que afirmam ser pecado a prática da “feitiçaria”, de “encantamentos”, e da “consulta a espíritos”.
Entre as mortes famosas da Santa Inquisição está Joana D’Arc, a soldada francesa que desafiou o poder do patriarcado e acabou condenada à fogueira por ouvir vozes e se vestir como homem. Questões religiosas também influenciaram o famoso caso de Salém. Na pequena cidade de Massachusetts, seis meninas contraíram uma doença que as fazia contorcer e gritar de dor. O povo local, criado sob os princípios do puritanismo, logo concluíram que as meninas estavam possuídas por demônios, e não demoraram a apontar algumas jovens moradoras da cidade como as mensageiras do diabo. Mais de 150 pessoas foram para a cadeia, e 25 morreram, enforcadas ou queimadas.
Só no século XIX, essas mulheres foram associadas ao bem. “A bruxa boa é uma construção do romantismo do século XIX, que revalorizou a figura dentro de conceitos positivos”, explica Johnni Langer, docente de história da magia na Universidade Federal do Paraná. O crescimento do movimento feminista também colocou uma lupa no período, evidenciando o preconceito medieval.
Tanto mistério e opiniões sobre quem foram as bruxas — ou como elas são nos dias de hoje — se tornou um prato cheio para a ficção, que trabalhou incansavelmente o tema em filmes e séries. A princípio, a produção audiovisual endossou a “caça às bruxas”. Mas, conforme a sociedade mudava, os conceitos se alteravam também. Com a chegada dos televisores nos lares americanos, entre os anos 1960 e 70, e a invenção do VHS, na década de 1980, o controle sobre o que era assistido pelos jovens diminuiu, revolução tecnológica que pediu uma roupagem mais empática e menos assustadora para as personagens. Nem por isso as feiticeiras más deixaram de fazer parte do entretenimento.
Relembre abaixo as principais aparições das bruxas na ficção e como elas foram influenciadas pelo seu tempo histórico.