O diretor Jonas Carpignano descobriu a comunidade de ciganos do sul da Itália por acaso, quando um carro da sua equipe foi roubado durante as filmagens do curta que daria origem a seu primeiro longa, Mediterrânea, vencedor do prêmio principal da Semana da Crítica em Cannes, em 2015. Ele foi negociar a devolução e, rapidamente, apaixonou-se pelas pessoas. Assim nasceu seu segundo filme, Ciganos da Ciambra, exibido na Quinzena dos Realizadores em Cannes no ano passado. A obra, que tem entre seus produtores o brasileiro Rodrigo Teixeira e ninguém menos que Martin Scorsese, foca em Pio Amato (vivido pelo próprio), um adolescente que lida com os conflitos próprios da idade em meio a uma povoação marginalizada e pobre.
Carpignano, 34, é filho de um italiano com uma americana negra. Nasceu em Nova York e foi criado entre a cidade e Roma, mas adotou a pequena Gioia Tauro como sua comunidade e filma com as pessoas reais do local. Na entrevista a seguir, ele fala sobre sua relação com os ciganos e as dificuldades de fazer filmes à sua maneira:
Como ganhou a confiança daquela comunidade específica? Não foi fácil. Mas foi uma questão de tempo. Tenho estado muito lá. Participei de pelo menos 108 jantares como aquele do filme. Queria dissolver a separação entre ator e diretor. Eles me conheceram primeiro como amigo. Só depois comecei a impor uma estrutura narrativa mínima para fazer o filme. Peguei o jantar real e tentei transformar em algo de cinema, não o contrário – essa é a representação cinematográfica, e agora vamos tentar fazer parecer natural.
Este é o seu segundo filme no local. Foi preciso renegociar os termos? Não. Com eles, é mais fluido. Eles são como minha família agora. Durante o processo todo, a dinâmica interna da Ciambra mudou muito porque claramente foquei mais em umas pessoas do que em outras. Então, tive de restabelecer contato com os que deixei um pouco de lado. Mas eles não veem o trabalho de forma hierárquica, em termos de eu sou o diretor e eles são meus atores. Somos todos amigos, somos todos família. Se fizermos um filme, legal. Se não, venha jantar.
Ficou surpreso com a desenvoltura de Pio? Não. Quis filmar com ele foi porque gostava dele. Basicamente, minha ideia foi: se eu colocar esse garoto incrível para mostrar esse mundo, será que o público vai se apaixonar por ele também? O fato de as pessoas se apaixonarem por ele me deixa muito feliz.
Mas o que fez você achar que ele seguraria esse papel tão difícil? Não sei descrever como me senti quando o conheci. Sabe quando você conhece alguém e imediatamente sabe que vão ser amigos mesmo antes de conhecer a pessoa? Acho que é porque percebi uma sensibilidade nele. Ele se abriu quase imediatamente. Hoje ele é quase como meu irmãozinho.
Você disse que focou nos personagens. Mas o cenário está lá, com todos os seus problemas sociais, econômicos e políticos. Como incorporou essas questões complicadas no seu estudo de personagem? É um equilíbrio difícil. Claramente estou interessado nesses temas complexos por causa da minha história. Algo me impulsiona a explorar a relação de Pio com a comunidade africana, quando eu poderia só falar de Pio. Meus pais estão logo ali – meu pai é da Itália, e minha mãe é afro-americana. Claramente algo dessa dicotomia, desse relacionamento, dessa intersecção influenciou e para sempre vai influenciar o que faço. Mesmo com Mediterrânea, eu fui lá e quis explorar o que estava acontecendo com negros no sul da Itália. Nunca é muito explícito. Os personagens são o mais importante, mas não consigo evitar que esses temas estejam na minha cabeça também.
Deve ser difícil registrar toda essa naturalidade sem atrapalhar. Sim, mas o processo é que sempre levamos o filme até eles, nunca os trazemos para o filme. Então é caótico, porque se vou rodar na casa de uma pessoa, ela vai fazer o que quer. Muitas vezes tenho de esperar horas para o personagem voltar. Por exemplo, quando filmo Pio acordando pela manhã, ele realmente está acordando. Dormimos lá ou chegamos cedo de manhã, iluminamos e o despertamos para rodar a cena. Claro que tem muita imprevisibilidade, então isso aumenta os dias de filmagem.
O que te atraiu naquele lugar? Tem algo ali que me lembra onde cresci. Eu fui criado entre Roma e Nova York – e em Nova York morava no Bronx. Tem algo da liberdade de andar pelo local como se fossem donos dele que me lembrou disso. Claro que são pessoas diferentes de mim, mas havia algo semelhante no espírito, com garotos dirigindo carros, crianças pilotando motos. Não sabia direito o que estava acontecendo ali, mas sabia que precisava voltar e descobrir assim que possível.
Como é sua relação com o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira? Somos bons amigos. Gosto do time inteiro da RT Features. Vamos trabalhar juntos de novo. Durante a filmagem, por causa da natureza geográfica de onde rodamos, estávamos em lugares diferentes. Mas sempre senti que tínhamos seu apoio. Isso é valioso. Essa é uma das coisas que ele e sua equipe fazem bem: encorajam os diretores. E ele também tem um bom gosto para cinema.