CEO da editora HarperCollins fala dos planos para o Brasil
Brian Murray, presidente da companhia que rompeu parceria com a Ediouro, diz que o país tem potencial - e também explica como são as relações com a Amazon
Com negócios em mais de vinte países e publicando em 17 línguas, a HarperCollins, com sede em Nova York, terminou neste ano uma associação de quase uma década com a brasileira Ediouro. No Brasil, portanto, a marca HarperCollins e seus selos Thomas Nelson, dedicado a livros religiosos, e Harlequin, especializado em romances femininos, agora pertencem integralmente ao gigante internacional do livro, que tem planos de expansão no Brasil. Em passagem breve pelo país, Brian Murray, presidente e CEO da HarperCollins desde 2008, disse que a tomada do controle integral faz parte da estratégia global da companhia. Ele também falou a VEJA sobre o complexo relacionamento com gigantes como a Amazon e sobre as mudanças que o mundo digital imprime ao negócio livreiro.
Por que, depois de quase dez anos, a HarperCollins terminou sua associação com a Ediouro? A estratégia global da HarperCollins mudou nos últimos anos, e duas aquisições impulsionaram essa mudança. A primeira, em 2011, foi a Thomas Nelson, editora cujos livros cristãos têm boa recepção na América Latina. Poucos anos depois, compramos a Harlequin, que já tinha operações na Europa e no Japão. A ficção voltada para o público feminino da Harlequin foi nossa ponta-de-lança e nosso conteúdo principal na Europa. Essas duas aquisições nos deram entrada em novos mercados. Nos últimos cinco anos, nós deixamos de ser uma empresa que publica principalmente em inglês para nos tornarmos uma editora global, que publica livros em 17 línguas. Era, portanto, o momento certo para consolidar nosso lugar em países nos quais tínhamos joint-ventures – Itália, França e Brasil. Em todos os casos – e o Brasil é o mais recente deles –, consolidamos nossa propriedade total, o que nos dá mais liberdade para investir.
Que investimento a companhia fará no Brasil? Não vou falar no montante em dólares, mas estamos expandindo o número de profissionais e de livros. E vamos publicar mais autores brasileiros. Temos planos para fazer mais títulos do que jamais fizemos antes, aqui e em outros países onde estamos começando. No faturamento mundial da HarperCollins, a parcela que vem de publicações em outras línguas deve crescer. No final deste ano, 10% do nosso faturamento virá de outras línguas que não o inglês. Seis anos atrás, essa percentagem era pouco mais de zero.
No ano passado, o mercado brasileiro de livros, afetado pela recessão, recuou cerca de 10%. Não o preocupa estar chegando ao Brasil em um momento desfavorável? Isso não me preocupa. Nossa estratégia global não depende dos ciclos econômicos de cada lugar. A HarperCollins está fazendo 200 anos. Já passamos por guerras e depresssões. Não fazemos decisões baseadas no estado atual da economia, mas no que consideramos o melhor para a companhia no longo prazo. Brasil é um mercado com tremendas oportunidades. Haverá, é claro, altos e baixos na nossa trajetória aqui, mas não tenho dúvidas de que cresceremos de forma substancial.
Qual o potencial do Brasil no meio dos demais países em que a companhia atual? Creio que, com o tempo, o país pode estar entre os cinco maiores mercados da HarperCollins. Há muita oportunidade no país.
Vocês estão de olho em aquisições de outras editoras brasileiras? Fizemos muitas aquisições nos últimos dez anos. Estamos sempre de olho em oportunidades que possam expandir nosso negócio, mas, de momento, não existe nada no horizonte aqui no Brasil.
Quais as principais diferenças e semelhanças do negócio do livro nos mais de vinte países em que a sua companhia atua? Uma das coisa de que mais gosto no meu trabalho é justamente isso: posso ver o que existe de comum e o que existe de diferente em vários países. Muita coisa é igual. Temos, em todos os mercados, os mesmos desafios: o mundo digital abre novas oportunidades para o mercado, a venda pela internet mudou o cenário, há um novo crescimento dos audiolivros. Ao mesmo tempo, há diferenças fascinantes na estrutura dos mercados livreiros. A Austrália, por exemplo, tem muito mais livrarias que os Estados Unidos, e é preciso entender por que os meios de distribuição diferem tanto de um país para outro. Também há livros que viajam muito bem de um país para outro, e alguns que são muito particulares do país de origem. Em geral, não-ficção viaja, pois os temas são muito particulares de cada nacionalidade. O mesmo ocorre com livros para crianças, por causa das diferenças culturais. A ficção comercial e para o segmento conhecido como jovem adulto (young adult) viaja bem. E livros que são adaptados de filmes viajam muito bem. Estamos tentando, como esses livros, fazer algo similar ao que os estúdios de cinema fazem, distribuindo o produto ao mesmo tempo no mundo todo, com auxílio de plataformas digitais como Amazon e Apple e Facebook.
O e-book ainda não é tão expressivo no Brasil. Qual o futuro do livro digital? Nos Estados Unidos e na Inglaterra, houve, por um bom tempo, um crescimento tremendo dos e-books. Os preços eram bons. Agora, parece que chegamos a um ponto de equilíbrio. O crescimento está em um platô, sempre em apenas um dígito. A surpresa está no audiolivro, que cresce com percentagens de dois dígitos. Como editores, queremos que existam opções para o leitor. Queremos um mercado de impressos vigoroso, com pequenas e grandes livrarias, e também queremos oferecer opções para o leitor que prefira o e-book ou o audiolivro. Quando todos esses formatos coexistem, há mais opções para os leitores, e nós temos mais veículos para chegar a esses leitores.
Quando Amazon começou a vender livros digitais no final de 2012, houve certo receio por parte dos editores brasileiros, e as negociações sobre a política de preços do gigante do varejo mundial foram demoradas. Como é a relação da HarperCollins com a Amazon? Eu uso o termo frienemy (de friend + enemy: amigo e inimigo ao mesmo tempo) para essas companhias que são parceiros importantes, mas que também inspiram preocupação, pois são muito grandes e muito poderosas. Trabalhamos com eles em muitas frentes, e tentamos encontrar áreas de interesse mútuo. Mas há também momentos em que só podemos concordar no fato de que temos discordâncias. É um relacionamento complexo. Amazon é uma companhia impressionante, mas não acreditamos que é do interesse do leitor ter apenas um lugar onde buscar seus livros, nem é interesse do autor ter apenas um canal para vender suas obras. Então, estamos sempre encorajando novos caminhos e incentivando modelos de negócios inovadores, mas sem deixar de trabalhar com a Amazon, que é muito eficiente em chegar até o leitor. Não é um equilíbrio fácil.
Em 2012, houve, nos Estados Unidos, um processo contra a Apple e editoras associadas, inclusive a HarperCollins, que eram acusadas de práticas monopolistas na fixação de preços dos livros. Isso está plenamente resolvido? Sim, chegou-se a um acordo, e isso está no passado. Acredito que o governo tomou a decisão errada ali. A Apple poderia ter tido uma dimensão maior no mercado de livros se o governo não tivesse se envolvido. Mas hoje estamos de olho em outro terreno digital: o audiolivro. Abrem-se oportunidades de parceria com o Google e o Spotify, por exemplo. Estamos esperançosos com isso.
Esse tipo de querela acontece porque a legislação ainda não compreende bem o mundo digital? Sim. O digital muda tudo, e as leis antitrust não são mais suficientes para lidar com novas plataformas. Nos Estados Unidos, as leis antitrust datam já de mais de um século, feitas para a era das grandes companhias ferroviárias. No mundo digital, tudo é diferente. Há espaço ilimitado de oferta e nenhum custo variável. Em muitos casos, vemos que a economia opera na lógica de “o vencedor leva tudo”. O Facebook domina as redes sociais, o Google domina os sites de busca. As coisas podem mudar rapidamente, sim, mas, em geral, quem é grande tende a ficar maior: a segunda ferramenta de busca do mundo é incomparavalmente menor do que a primeira. As leis são insuficientes para lidar com um mundo sempre cambiante como o digital.
Por falar em legislação, o Sindicado Nacional dos Editores de Livros (SNEL) tem demonstrado simpatia por leis de preço fixo para o livro, nos moldes existentes em países como a França. Qual sua posição sobre o tema? Há muitos dados sobre essa questão, de diferentes países, e podemos aprender com essas informações. Nos mercados europeus que têm preço fixo, existe, penso eu, mais investimento e mais escolha para os consumidores. Na economia digital, como já disse, quem é grande só fica maior. Se temos preço fixo, todo mundo na cadeia do comércio de livros sabe, com certeza, quais são suas margens, e assim pode investir com segurança. Sem preço fixo, há mais incerteza, e isso pode reduzir o investimento. No Brasil, é um momento interessante, com novas grandes companhias entrando no mercado. Acredito que o preço fixo seria um bom modelo para o país.
O que o senhor lê nas horas de folga? No trabalho, eu leio 50 páginas de vários livros. Não existe muita diversão nesse tipo de leitura. Quando estou de folga, leio muita não-ficção, sobretudo livros de história. Também aprecio a ficção histórica. A HarperCollins publica os livros de Bernard Cornwell (no Brasil, o autor é publicado pela Record), autor que eu aprecio muito. Sua série Crônicas Saxônicas tem uma ótima narrativa, grandes personagens, e os detalhes militares são excelentes. Quando quero realmente desligar, busco um thriller, mas sou mais da não-ficção e da ficção histórica.