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Cannes: ‘Le Redoutable’ faz graça com Jean-Luc Godard

O nome mais venerado do cinema francês aparece como homem inseguro, neurótico e atrapalhado no filme de Michel Hazanavicius

Por Mariane Morisawa, de Cannes
21 Maio 2017, 12h41

Não dá para negar que é preciso coragem – ou, quem sabe, falta de noção mesmo –, especialmente sendo um diretor francês, para fazer um filme tendo Jean-Luc Godard como personagem principal. Godard, afinal, é o cineasta francês (mesmo sendo suíço de nascença) que inspira maior devoção. Mas Michel Hazanavicius, conhecido por O Artista, se arriscou, com resultado irregular, em Le Redoutable (que pode ser traduzido como “o temível” ou “o formidável”), exibido em sessão de imprensa atribulada na competição no 70º Festival de Cannes – o Palais des Festivals e a frente da sala Debussy, na Croisette, foram evacuados por suspeita de bomba, o que causou um atraso de cerca de 45 minutos. Le Redoutable não é exatamente uma biografia de Godard, interpretado com charme por Louis Garrel, que mesmo antes de fazer o papel era famoso por imitar o diretor. Baseado no livro Un An Après (“um ano depois”), de Anne Wiazemsky, vivida no filme por Stacy Martin, atriz de A Chinesa e sua mulher entre 1967 e 1970, o longa fala do naufrágio do relacionamento dos dois. Anne, que se casa com Godard prestes a completar 20 anos, aos poucos sai da sombra do grande homem e conquista sua própria independência.

A Chinesa é marco da fase maoísta de Godard, quando o diretor voltou-se para a política, numa época de turbulência para a França, que enfrentou uma série de protestos e greves. Disposto a revolucionar a sociedade e se autorrevolucionar, aparece no filme como um homem amargo pela perda da juventude – apesar de ter apenas 37 anos na época, era visto como um velho pela juventude disposta a mudar o mundo. Le Redoutable é implacável ao mostrar um homem de personalidade difícil, quase insuportável, o que vai minando o casamento com grosserias e machismo. Em muitos momentos, porém, mostra humor e charme, e em outros vive cenas de pastelão, tropeçando e quebrando óculos com frequência. Muitas vezes, parece mais Woody Allen num filme de Woody Allen.

Nenhum homem ou mulher precisa ser tratado com reverência num filme. Mas Le Redoutable perde um bocado de sua graça ao brincar com alguns dos recursos visuais conhecidos do diretor, como os letreiros na tela, ou as imagens em negativo, parecendo debochar do cinema de Godard. É um movimento arriscado, até porque, como cineasta, Hazanavicius não tem estofo para tanto.

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