A sessão de imprensa de Okja, do sul-coreano Bong Joon Ho, primeiro filme produzido pela Netflix a competir no Festival de Cannes, foi atribulada. Começou com vaias — que surgiram tão logo o logotipo da plataforma e as menções apareceram na tela — e quase terminou em um problema técnico que fez com que a projeção fosse interrompida e reiniciada, dando margem a boatos de sabotagem que correram pelo Grand Théâtre Lumière. Mais tarde, o festival assumiu a responsabilidade pela falha, em um comunicado em que pediu desculpas ao diretor, à equipe do filme e ao público. Bem-humorado, o diretor, Bong Joon Ho, disse ter achado ótimo o acidente, porque a imprensa pôde ver duas vezes a abertura, “tão cheia de informação”.
Se havia alguma resistência por causa da polêmica quanto à não exibição de Okja nos cinemas franceses, a verdade é ela arrefeceu à medida que o longa conquistou a plateia. O filme, que entra no ar na Netflix em 28 de junho, é uma adorável fábula sobre o crescimento, com ecos de Steven Spielberg e Hayao Miyazaki, boas cenas de aventura e suspense e uma amizade tocante entre uma menina, Mija (An Seo Hyun), e seu animal de estimação, a Okja do título. A questão é que Okja não é um animal normal, mas algo como um “super porco”, uma raça descoberta por uma grande corporação, a Mirando, liderada por Lucy Mirando (Tilda Swinton).
Lucy tenta dar uma face mais moderna e, a seu ver, benevolente à empresa que herdou da família – o avô, admite, era um homem terrível, assim como o pai, um fabricante de napalm, e a irmã. Assim, resolve resgatar Okja, que vive livre há dez anos em meio à natureza, para participar de um concurso de super porcos e enviá-la para o abate. Mija fará de tudo para salvar a amiga, com apoio de um grupo radical de proteção dos animais comandado por Jay (Paul Dano). Jake Gyllenhaal é o biólogo Johnny Wilcox, contratado para ser a cara da Mirando em todo o mundo.
Além de ser uma história de crescimento para Mija, que é confrontada com a complexidade e crueldade do mundo adulto, Okja é uma celebração da harmonia com a natureza e principalmente um retrato do conflito entre o capitalismo e a necessidade da preservação do ambiente. “Não acho que haveria melhor momento que este em termos de clima político, especialmente no meu país, onde as discussões sobre meio ambiente estão caminhando para um retrocesso”, disse Gyllenhaal, que aproveitou também para comentar a polêmica envolvendo a Netflix.
“A plataforma de um filme, a partir de onde ele pode alcançar o público para comunicar sua mensagem, é realmente importante. É extraordinário quando um filme atinge uma pessoa, que dirá milhões de pessoas. É bom espalhar a arte da forma que for possível. Mas claro que o debate sempre é fundamental”, completou o ator. Gyllenhaal ainda deu opinião sobre a crise política americana, dizendo que apoia a escolha de Robert Mueller como investigador especial do caso do suposto conluio entre a campanha de Donald Trump e a Rússia.
Bong Joon Ho elogiou a Netflix pela liberdade que teve. “Eles me deram muito apoio, um orçamento considerável. Me respeitaram do inicio ao fim. De verdade, tive completa liberdade, não senti pressão sobre a categoria em que ia me encaixar, não houve restrições.”
À declaração do presidente do júri da competição, Pedro Almodóvar, de que um filme que não vai ao cinema não deveria ganhar Palma de Ouro, Joon Ho reagiu com humildade. “Fico feliz que Pedro Almodóvar vá ver o filme esta noite, sou um grande fã. Então, ele pode falar o que quiser. Se elogiar ou criticar, só o fato de ele estar falando sobre o filme já está bom para mim”.
A atriz Tilda Swinton foi pelo mesmo caminho. “É uma declaração do presidente, e é importante que ele se sinta livre para declarar o que quiser. Não viemos para ganhar prêmios, mas para mostrar o filme. É um privilégio poder exibi-lo aqui. A questão da plataforma é uma conversa enorme e importante. Como em tudo na vida, para mim parece haver espaço para todo o mundo”, disse. “Há milhares de filmes em Cannes que as pessoas nunca verão. A Netflix deu toda a liberdade para o diretor fazer o que quiser, por isso sou eternamente grata.”