Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Box com novelas de Tolstói prova o vigor inesgotável do autor russo

O resgate de quatro clássicos comprova que os feitos do mestre foram muito além da literatura: ele mapeou como ninguém a natureza humana

Por Eduardo Wolf
Atualizado em 24 abr 2020, 18h10 - Publicado em 24 abr 2020, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Depois da publicação de Guerra e Paz (1869) e de Anna Karenina (1877), a que tipo de perfeição literária poderia aspirar Lev Tolstói? O notável painel da sociedade russa durante o período da invasão napoleônica, entrelaçando drama individual com história em uma narrativa de fôlego, já lhe alçara à condição de Homero da literatura de seu tempo; e o mergulho na psicologia do desejo, do amor e da felicidade com sua protagonista feminina mais célebre parecia indicar o fato de que o autor dera conta de todas as grandes paixões humanas em sua literatura. A abrangência, a vivacidade e a profundidade de suas obras eram de tal ordem que o crítico inglês Matthew Arnold chegou a afirmar que um texto de Tolstói “não deve ser lido como uma obra de arte, mas como uma porção da própria vida”. O gigante, porém, ainda tinha mais a oferecer: mesmo após sua mística conversão a pregador religioso e moral, nos anos 1880, continuou a produzir pequenas obras-primas, levando a novela — narrativa curta e densa — a patamares de excelência raramente alcançados.

    Publicidade

    + Compre o livro A morte de Ivan Ilitch
    + Compre a caixa Guerra e Paz

    É o que leitor brasileiro poderá constatar, agora de um fôlego só, com o box Quatro Novelas, que reúne quatro títulos clássicos do mestre russo, vários deles há tempos fora de catálogo e todos em traduções de Boris Schnaiderman. Provavelmente a mais célebre entre essas novelas, A Morte de Ivan Ilitch (1886) é também a mais perfeitamente executada. Despido de qualquer idealização, seu protagonista é apresentado com todo seu apego às aparências, aos triunfos sociais e materiais da existência — do jugo voluntário ao convencionalismo da aspiração de uma “existência agradável e decente”. Com o mesmo realismo penetrante com que a enganosa felicidade da vida burguesa desmorona ante os olhos do leitor, triunfa em sua simplicidade assustadora a morte — não uma morte épica, em batalha; não a tragédia arrebatadora; mas aquela que transforma, pela mais elementar doença, a vida de um homem em dor, sofrimento e cessar absoluto da existência. Agonizando, Ilitch não detecta autenticidade e felicidade genuínas em toda sua trajetória, exceto pela infância. Consumido pela dor e pelo ódio aos que o cercam, interroga-se até o fim pelo sentido do que se passa com ele. Em uma das páginas mais tremendas de toda a literatura universal, Tolstói ilustra, com a passagem da vida à morte, também a passagem da inconformidade agressiva à compreensão iluminada.

    Publicidade
    QUATRO NOVELAS, de Lev Tolstói (tradução de Boris Schnaiderman; Editora 34; 608 páginas; 139 reais) (./.)

    Não que a destreza do autor russo com a narrativa curta fosse novidade, ou resultado de algum esgotamento de suas capacidades para a forma longa de seus grandes romances. Felicidade Conjugal foi publicada em 1859, uma década antes de Guerra e Paz — e já exibia o domínio pleno de Tolstói em todas as dimensões da prosa. Narrado em primeira pessoa pela perspectiva da jovem Mária Aleksandrôvna, o livro é dotado de um convincente lirismo em sua porção inicial, em que estão imbricados um amor puro que a jovem sente por Serguêi Mikháilovitch, homem mais velho e amigo da família, seu sentimento de plenitude com a família e os desejos de uma felicidade que despontava pouco a pouco como verdadeira e alcançável. Esse lirismo, contudo, não se reduz ao romantismo pueril. Tolstói apresenta uma personagem feminina capaz de refletir existencialmente sobre sua condição, reconstituindo uma vida que se faz por tentativa e erro, como a vida de todos. O marido apaixonado e bondoso e o idílio juvenil não garantem a felicidade conjugal, o que leva a narradora ao limite de sua relação com o marido.

    Continua após a publicidade

    Ficaria para A Sonata a Kreutzer (1891), mais de trinta anos depois, a radicalização da anatomia do desejo amoroso e sexual e seus efeitos nas relações humanas. Obra de uma violência misógina que beira o intolerável às suscetibilidades contemporâneas, A Sonata a Kreutzer se inspira na composição homônima de Beethoven, cujas melodias e escalas tanto o afetaram. Tolstói compôs um relato nervoso e vivaz do “bicho enfurecido do ciúme”, a rugir em sua jaula — e dela escapando para cometer um crime terrível. A dissolução moral e amorosa de um casamento, as suspeitas de infidelidade da mulher e a barreira intransponível da incompreensão mútua que conduzem ao desfecho trágico são emolduradas musicalmente pelos efeitos que o presto da Sonata exerce sobre a alma.

    Publicidade

    + Compre a caixa Grandes Obras de Tolstói

    Nos últimos anos de existência, enquanto dava vazão à sua pregação moralista, Tolstói dedicaria imensa energia à criação de Khadji-Murát, que seria publicada apenas postumamente, em 1912 — dois anos após a morte do autor. Recuperando sua experiência como combatente no Cáucaso nos anos 1850, o escritor foi capaz de recriá-la literariamente, mostrando o choque de culturas entre eslavos e islâmicos e o desvario do poder czarista de tal forma que até hoje esse livro é considerado profético. Nessas quatro pequenas joias russas, Tolstói produziu mais que arte: foi um perfeito tradutor da alma humana.

    Publicidade

    Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684

    Continua após a publicidade

    Publicidade

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR


    A morte de Ivan Ilitch

    Guerra e Paz

    Grandes Obras de Tolstói

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.