No livro Esquizofrenias Reunidas (Editora Carambaia), você expõe um árduo itinerário ao lado de transtornos mentais. O diagnóstico médico foi um divisor de águas para lidar melhor com eles? Para mim, fez uma grande diferença. Como digo no livro, algumas pessoas não gostam de diagnósticos, porque acreditam que eles as colocam, de forma desagradável, dentro de caixas e rótulos. Mas eu gosto de saber que não estou sendo pioneira diante de uma experiência tão inexplicável. Quero saber se estou vivenciando algo que outros podem ter sentido há centenas ou até milhares de anos. Saber que a dor que estou suportando agora é a mesma dor de seres humanos de outras culturas, países e idades. Enfim, gosto de saber que não estou sozinha.
Como autora engajada no tema, acredita que hoje há menos preconceito contra as doenças psiquiátricas? Não sinto que o estigma tenha se reduzido em relação à esquizofrenia, e foi em parte por isso que decidi escrever a respeito. Há um limite para o que um livro pode fazer no combate ao preconceito diante de um transtorno tão discriminado, mas espero que esse tipo de trabalho continue não apenas para ajudar a diminuir o estigma em relação às doenças psiquiátricas, mas também para dar apoio a quem convive com elas.
Na obra, você conta que o amparo médico e a experiência espiritual foram importantes para domar sintomas como delírios. Então é possível conciliá-los? Esse é o caminho que tenho trilhado em minha vida. Eu tomo medicamentos. Passo horas com um psiquiatra. Tenho um terapeuta. Mas também conto com um mentor espiritual, que me ensina sobre a magia das velas e outras práticas esotéricas. No mínimo, essas atividades mais místicas me auxiliam a ter uma sensação de controle. Como se algo que eu estivesse fazendo pudesse mudar quão difícil é tudo isso pelo que estou passando.
Afinal, ler e escrever têm um efeito terapêutico? Algumas leituras, não necessariamente as literárias, são reconfortantes para mim. Fazem eu me sentir feliz e, às vezes, chorar, o que é uma experiência catártica. Também leio literatura para me sentir menos sozinha, e esse é um dos objetivos do meu trabalho como escritora. Adoro quando, ao ler um livro, temos a impressão de que o autor está percorrendo uma longa estrada para dar as mãos ao leitor, mesmo com décadas ou séculos de distância. As palavras são uma espécie de tecnologia que comunica o que está acontecendo dentro de um cérebro para outro cérebro. É tudo muito mágico.
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899