As redes sociais Facebook, Instagram e Tumblr foram, por assim dizer, as primeiras casas publicadoras do fenômeno Textos Cruéis Demais para Serem Lidos Rapidamente. Os sites permitiram que o paulistano Igor Pires, hoje com 24 anos, e um grupo de amigas expressassem sentimentos e angústias em poesias curtas e de fácil identificação, lá pelos idos de 2016. O formato caiu nas graças de celebridades que passaram a compartilhar os textos melancólicos e de superação em perfis com milhões de seguidores — Marília Mendonça, aliás, arrebanhou em 24 horas 20.000 novos seguidores para a poética página de nome comprido. Ao escrever o primeiro livro impresso, no fim de 2017, Pires foi alçado ao posto de best-seller. De lá para cá, foram três livros, o mais recente, Textos Cruéis Demais: O Fim em Doses Homeopáticas, saiu no dia 27 de março, quando São Paulo e Rio de Janeiro enfrentavam o desconhecido: o fim da primeira semana oficial de quarentena por causa do novo coronavírus.
Mesmo com o fechamento de livrarias, o terceiro livro da série de poesias seguiu a popularidade de seus títulos anteriores, entrando para a lista de Mais Vendidos de VEJA. No total, os três livros somam mais de 600.000 exemplares comercializados no país. Em entrevista a VEJA, o jovem autor fala sobre como tem lidado com a saúde mental em plena quarentena e com o delicado posto de “guru” dos seguidores, que continuamente lhe pedem conselhos. O rapaz conta também que o período de isolamento trouxe um fim de namoro, que será inspiração para seu próximo livro.
Como analisa a trajetória desta trilogia? Eu tinha 21 anos quando escrevi o primeiro livro, o Textos Cruéis Demais para Serem Lidos Rapidamente, e estava passando por um término muito difícil que me levou à depressão. Ele é sobre o processo do personagem de viver esse trauma, passar por ele e ficar bem. Agora o terceiro, O Fim em Doses Homeopáticas, é de um personagem dentro de um relacionamento prestes a terminar, que não vai para frente, e como ele enxerga esse relacionamento a partir da constatação do fim. É como se fossem momentos diferentes da minha vida, em relacionamentos diferentes, mas que se complementam de alguma forma.
Como é o seu processo de escrita? Eu sou da geração Tumblr, então escrevo desse jeito mais fluido e contemporâneo desde 2010. Enquanto eu escrevo, estou num processo verborrágico, como se estivesse em um estado de transe. Funciono melhor assim, porque eu consigo visualizar melhor o texto. Sou uma pessoa muito estética, escrevo já pensando como o poema vai estar dentro dos livros.
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Clique e AssineE agora na quarentena? O relacionamento sobre o qual escrevi no terceiro livro terminou agora, durante a quarentena, então meu processo de escrita tem sido mais profundo. Isso porque eu estou muito sozinho, convivendo comigo mesmo e me enfrentando de frente. É um processo de autodescoberta. A quarentena tem sido muito boa nesse sentido, porque tenho conseguido colocar meus pensamentos em ordem e encontrar um significado para tudo. Em outro cenário, após um fim de namoro, estaria saindo, conhecendo outras pessoas, me distraindo com os amigos. A quarentena tem nos forçado a pensar novas formas de superar dificuldades. Claro, não é fácil, vivemos um momento de desesperança. Mas percebo isso em mim e vejo que não sou só eu: muita gente está se voltando mais para si neste momento.
Sua página no Instagram tem 1,3 milhão de seguidores. Estes leitores compartilham esse tipo de angústia com você? Sim. Recebo mensagens dos leitores. São jovens que, agora especialmente, estão mais desesperançosos, deprimidos, ansiosos. Eles sempre pedem dicas, mas evito me colocar nesse lugar de especialista. Sou uma pessoa como qualquer outra. Por escrever sobre sentimentos, eles imaginam que eu serei um bom conselheiro, mas não detenho todas as respostas. Já recebi mensagens de pessoas à beira do suicídio, por exemplo, e eu não tenho bagagem para ajudá-los. Agora, se me perguntam algo do tipo “terminei meu namoro, como seguir em frente?”, respondo como um amigo, digo que é um processo individual, orgânico, natural, que acontece à medida que você vai voltando para si e, nesse caminho, vai encontrando novas pessoas. Mas deixo claro que não sou um especialista em saúde mental.
O primeiro livro nasceu quando você lutava contra uma depressão. Como está a sua saúde mental hoje? Tenho altos e baixos, momentos em que estou muito feliz e outros em que não consigo sair da cama. Agora na quarentena, o que me sustenta é criar rotinas. Tenho me agarrado aos meus afazeres separados por horários: acordar, comer, escrever, ler, dormir. Me atenho ao que eu posso controlar, evito ser pego de surpresa por notícias que provocam sentimentos ruins. É uma luta constante, mas, para não ter crises, tenho tentado ficar menos na internet e preferido fazer outras coisas. Recuperei o hábito de ler livros, por exemplo, e evito consumir tantas informações sobre o que tem acontecido. Me alimento de conteúdos mais leves. Tenho falado bastante com os meus pais e amigos, mas sinto que todo mundo está meio perdido. Cada um tem uma rotina nova agora e estamos em lugares diferentes, tanto geograficamente quanto metaforicamente. Cada um está imerso na própria vida, tentando sobreviver ao dia para sobreviver à quarentena.