As tapeçarias de Rafael no Vaticano: delicadeza em lã, seda e ouro
O conjunto só poderá ser apreciado numa única semana, por exigência dos responsáveis pela manutenção e restauração do trabalho

O crítico de arte australiano Robert Hughes (1938-2012), devorador onívoro de tudo quanto é escola de pintura, chegou a dizer — entre o lamento e a ironia — que nunca teve tanta dificuldade para apreciar obras-primas universais quanto nas vezes em que precisou erguer os olhos na Capela Sistina, espremido entre hordas de turistas se acotovelando no mais celebrado salão do Vaticano, para contemplar as joias de Michelangelo, como O Juízo Final, Botticelli e Ghirlandaio. O desconforto de Hughes poderia ser pior, com a atual avalanche de smartphones, mas convém ressaltar que sempre valerá a pena. Agora, talvez, como nunca. Na semana passada, funcionários da Santa Sé instalaram nas porções inferiores das paredes da construção renascentista doze tapeçarias feitas com base em desenhos de Rafael Sanzio (1483-1520), tecidas pelo célebre ateliê belga de Pieter van Aelst, em um conjunto conhecido como Atos dos Apóstolos. Pela primeiríssima vez desde o fim do século XVI, elas estarão todas juntas — nem mesmo o próprio Rafael, que morreu muito jovem, aos 37 anos, as viu instaladas, ao rés do chão, de acordo com o planejamento inicial. “É uma grande emoção para todos nós”, resumiu Barbara Jatta, diretora dos Museus do Vaticano, ao comentar o ineditismo, atrelado aos festejos de 500 anos da morte do “príncipe dos pintores”. Mas atenção: dada a delicadeza, em lã, seda e ouro, o conjunto só poderá ser apreciado de 17 a 23 de fevereiro, numa única semana, por exigência dos responsáveis pela manutenção e restauração do trabalho. Depois, as tapeçarias voltarão para o acervo técnico da Pinacoteca do Vaticano, e uma ou outra, em esquema de rotação, participará de rápidas mostras — até o dia do juízo final.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675