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Animação e série na Netflix confirmam o talento incômodo de Ricky Gervais

Eis um humorista politicamente incorreto, mas de bom senso

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h46 - Publicado em 30 abr 2020, 19h00
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  • “Se você gosta de histórias sobre famílias unidas, cujo amor supera todas as dificuldades e que vivem felizes para sempre… este filme não é para você, o.k.?” A frase de abertura da simpática animação Os Irmãos Willoughby, recém-lançada pela Netflix, não é só uma das muitas tiradas afiadas do roteiro: ela é, de fato, um aviso. O alerta vem do narrador, um rechonchudo e mal-humorado gato de rua que vai acompanhar as aventuras dos quatro irmãos protagonistas do título — e até interferir nelas, quando achar conveniente. As pequenas intromissões do bichano dão novos rumos à tenebrosa vida das crianças. Tratados pelos pais como empecilhos à sua rotina de romance e ociosidade, os pequenos e coloridos personagens só veem uma solução para ser felizes: virar órfãos.

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    Não se trata, enfim, de um filme à la Disney. A produção é um espelho perfeito de sua maior estrela humana: o inglês Ricky Gervais, que faz a voz do gato e é um dos produtores executivos. Sincerão, meio rabugento e dotado de uma verve cortante, o personagem incute subversão em uma animação toda fofa. A trama, que pode fazer com que pais mais sensíveis arregalem os olhos, é uma adaptação do livro de Lois Lowry, de 2008. Nele, a octogenária autora americana satiriza o clichê de que crescer numa família de comercial de margarina é a melhor garantia de felicidade para uma criança. Em sua divertida jornada, os Willoughby reinventarão o conceito sobre um clã harmonioso.

    Gervais
    FARPAS - Gervais: tiradas que deixaram até Tom Hanks sem graça (Nathan Congleton/NBCU/Getty Images)

    O ator, produtor e roteirista Gervais, de 58 anos, é uma figura tão provocadora quanto brilhante. Em tempos nos quais o humor se vê emparedado nos excessos da correção política e em seu oposto, a comédia que não abre mão das piadas acintosas e sexistas, Gervais trilha um caminho alternativo capaz de irritar os dois lados. Ao apresentar o Globo de Ouro 2020, provocou risos amarelos na plateia de celebridades com suas tiradas sem filtros: um chocado Tom Hanks até virou piada na internet. “Se você ganhar um prêmio, não faça um discurso político. Vocês não sabem nada do mundo real. A maioria de vocês passou menos tempo na escola que Greta Thunberg”, estocou Gervais.

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    O ator é cáustico, mas oferece algo que boa parte dos expoentes da incorreção política não tem: noção. Ele não debocha do oprimido nem de minorias: prefere piadas ácidas com os que se acham superiores ou salvadores daqueles. Para o bem ou para o mal, tipos tortos são seus favoritos. Como prova o fenômeno que lhe deu projeção, o sarcástico The Office (2001-2003), sobre as idiossincrasias de um escritório e seu detestável chefe, protagonizado por ele (também criador da série). The Offi­ce fez do humorista um nome concorrido no cinema e na TV.

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    No ano passado, contudo, Gervais mostrou uma nova e perturbadora faceta em After Life. Melancólica — aqui, até derruba algumas lágrimas —, a série acompanha um marido que não supera a morte da esposa. Niilista e irascível, ele trata a todos com uma sinceridade que dói. A segunda temporada do programa estreou na Netflix na mesma semana da animação dos irmãos Willoughby, o que comprova a versatilidade do comediante. Gervais diz que After Life foi inspirada na paixão que sente pela mulher, a autora Jane Fallon, com quem está há 38 anos. “Eu ficaria perdido sem ela.” Sobre a animação, ele se reconhece totalmente em seu personagem: por achar que filhos demandam muito cuidado, preferiu ter um gato. Eis um felino de língua ferina.

    Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685

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    The Office, com Ricky Gervais

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