Sobrevivente de uma tragédia medonha (na qual a plateia é jogada sem aviso) e ainda em recuperação do ferimento na coluna que vai atormentá-la pelo resto da vida, Celeste, de 14 anos, comparece ao memorial para as vítimas. Diz que está sem palavras e, por isso, vai cantar algo de sua autoria, com a irmã ao teclado. A canção capta e faz reverberar o luto nacional, e escala até o topo da parada. Seria difícil imaginar um início mais autêntico para uma pop star — não por força do marketing, mas pelo cerne genuíno e por aclamação popular. Entretanto, a narração quase antropológica na voz de Willem Dafoe deixa claro desde o princípio que Vox Lux (Estados Unidos, 2018), já em cartaz no país, não é uma saga de ascensão à maneira de Nasce uma Estrela — bem ao contrário. O filme do jovem diretor Brady Corbet é um estudo intrigante, de humor cínico mas também de uma perplexidade dolorosa, sobre as engrenagens ambíguas da fama (a de Celeste estará sempre ligada àquele episódio de violência) e também sobre o tipo de aspiração que faz com que a megacelebridade tenha adquirido os contornos que hoje a definem.
Interpretada por Raffey Cassidy na adolescência, Celeste ganha um empresário (Jude Law) e uma carreira meteórica. Os laços com a irmã se rompem abruptamente — e Vox Lux salta então dessa fase, entre 2000 e 2001 (o 11 de Setembro marca presença), para os dias atuais. Celeste, agora vivida com ferocidade e bravura por Natalie Portman, está para se relançar, depois de vários episódios de mau comportamento. Sua irmã (Stacy Martin), que ela continua tratando como inimiga, vem ver seu show em Nova York com a sobrinha — a filha que Celeste teve quando adolescente. Um atentado com mortes na Croácia é ligado à figura da cantora, e faz com que esse dia seja ainda mais maníaco. O fascinante é o que Celeste se tornou no intervalo que o filme suprime: uma persona abrasiva e petulante, dedicada à mecânica do seu espetáculo (repare na curiosa mixagem de som da sequência final) e dependente de emoções químicas, já que as verdadeiras viraram uma massa indistinta de insatisfação. Corbet, de 30 anos, é um millennial. Mas sabe como nenhum outro até aqui olhar de fora a sua geração.
Publicado em VEJA de 3 de abril de 2019, edição nº 2628
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