Alceu Valença: “Sou um eterno menino”
O pernambucano de 75 anos, que acaba de compor quatro CDs, acha que cativa os jovens porque se “sente como um deles” e viraliza nas redes
Depois de quase meio século de carreira, como explica o sucesso de suas músicas entre as novas gerações? Sinceramente? Fico assustado com essa popularidade. Mas acho que agrado porque sou um eterno menino e sei que a idade da certidão de nascimento não está com nada. Por isso, minhas músicas também não envelhecem. Elas falam de temas que perturbam qualquer geração — sentimento, amor, paquera.
Muita gente jovem filma o senhor cantando com artistas de rua no bairro carioca do Leblon, onde mora, põe nas redes e o flagra viraliza. O senhor se espanta? Eu me sinto lisonjeado quando encontro alguém tocando minhas músicas e sempre me junto para um dueto. Por que isso interessa tanto às pessoas a ponto de viralizar? Não tenho ideia. Acredite: esses vídeos às vezes vão parar até na Europa. Não entendo o mecanismo da coisa, mas não me queixo.
Como é sua relação com o mundo virtual? Não faço questão das redes, acho meio entediante. De vez em quando, posto fotos de paisagens e compartilho uns textos que escrevo. Agora, acompanhar a vida dos outros, nem pensar. Fofoca não me interessa, não me prende. Já fiz lives para matar a saudade do público, é legal. Mas o que gosto mesmo é da vida real.
Há quem diga que a MPB perdeu o encanto. Concorda? De jeito nenhum. Temos cada vez mais artistas fazendo um trabalho autêntico. A MPB se recicla, ela é imortal.
Como conseguiu se manter tão produtivo na pandemia? Não sou muito de série, filme, e voltei a fazer uma coisa que havia anos não fazia: tocar violão dentro de casa. Emendava uma música na outra e, quando percebi, tinha quatro CDs na mão, entre canções novas e antigas. Aí minha mulher falou: “Pode lançar que já está tudo pronto”.
Como a quarentena o afetou? É angustiante. Sou um homem da estrada, o movimento é o que me faz sentir vivo. Brinco que não tenho casa, só tenho alguns pontos onde costumo dar uma parada. Imagine então como é ficar confinado, longe da rua. Um tormento.
O que pensa da gestão da pandemia pelo governo? Meu posicionamento é claro: o que o presidente fala, eu faço o contrário. Ele fala para não usar máscara, eu uso logo duas. Diz para sair de casa, eu fico quieto no meu canto. Manda não tomar vacina, eu corro logo para virar jacaré.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755