“Eu não me identifico com o sucesso”, dizia Agnès Varda, o único expoente feminino da nouvelle vague, movimento do cinema francês surgido nos anos 60. A cineasta franco-belga se identificava com pessoas. De preferência, as de vida comum. Suas observações humanas e sociais, em filmes de ficção ou documentais (a fronteira entre os gêneros inexistia para ela), deram origem a notáveis experimentações. Caso de Cléo das 5 às 7, de 1962, produção que acompanha duas ansiosas horas na vida de uma mulher à espera do resultado de um exame médico. Ou de Os Catadores e Eu, documentário de 2000 sobre a rotina de catadores de frutas que recuperam sobras para os mais pobres. Seu propósito como diretora também era tema recorrente nos roteiros. Em Os Catadores, aliás, Agnès faz um paralelo com seu ofício: vê-se como uma coletora de imagens despercebidas. Na época, a diretora tinha 72 anos e já se adequava aos novos tempos, ao rodar o longa com uma câmera de mão.
Ao contrário do colega Jean-Luc Godard, que a cada novo trabalho se distanciava mais do público, Agnès se tornou acessível. Criou um perfil no Instagram, ao mesmo tempo em que caiu nas graças da internet por seu estilo “vovó punk”, com cabelo tigela bicolor, branco no topo e vermelho nas pontas. Em 2008, aos 80 anos, começou a ensaiar sua despedida. Lançou As Praias de Agnès, em que refletia sobre sua trajetória, o ativismo como feminista e seu grande amor, o também cineasta Jacques Demy, que morreu, em 1990, de leucemia e complicações da aids. O adeus não veio, e ela continuou a criar. Em 2018, concorreu ao Oscar pela primeira vez com o delicioso documentário Visages, Villages, parceria com o artista urbano JR, uma alma gêmea millennial. Perdeu o prêmio, mas no ano anterior levara um Oscar honorário. “Descobri que Hollywood sabia da minha existência”, disse. O longa do adeus viria neste ano: Varda par Agnès, obra-testamento exibida no Festival de Berlim. Na ocasião, Agnès disse buscar a paz para o fim. Ela morreu em decorrência de um câncer na sexta-feira 29, aos 90 anos, em Paris.
Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629