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‘A Última Ceia’, de Da Vinci, em impressionante versão digitalizada

Uma nova cópia da obra-prima vira atalho para descobertas esmaecidas pelo tempo

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 jul 2020, 12h12 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00

É um milagre que A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, pintada entre 1494 e 1498, tenha resistido à pátina dos séculos. O imenso afresco de 4,6 metros por 8,8 metros, encomendado por Ludovico Sforza, o duque milanês amante das artes, sobreviveu ao frágil conjunto de técnicas com que foi pintado (a têmpera, mistura de pigmentos solúveis em água com gema de ovos; e óleo em parede) e ao bombardeio de aviões britânicos em agosto de 1943, durante a II Guerra Mundial. Salvou-se ainda dos ataques de tropas de Napoleão Bonaparte que, em 1796, fizeram do refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie, a pousada da obra-prima, um arsenal de guerra e de necessidades fisiológicas. Houve também os maus-tratos da umidade, a migração de sais do reboco para a superfície e sucessivas restaurações irresponsáveis. E, mesmo assim, o trabalho manteve-se vivo, no qual a “sensação do movimento humano fica evidente nos gestos de cada apóstolo, bem como na notória habilidade em revelar os movimentos da alma — as emoções — através dos movimentos dos corpos”, segundo Walter Isaacson, autor da mais completa biografia do gênio do Renascimento.

Aparentemente invencível, o desenho perdeu cores, teve suas fragilidades expostas — condição que não retirou da cena bíblica, a derradeira refeição de Jesus ao lado de seus apóstolos, antes da crucificação, já sabendo da traição de Judas, o título de um dos cumes míticos da civilização ocidental. Sempre foi difícil, aliás, a visitação do painel na igreja de Milão, com horários restritos e longas temporadas de fechamento. Com a pandemia, é claro, o isolamento foi definitivo — e ainda que a humanidade tenha sido subtraída da magia dos sfumatos que borram os contornos e da precisão da perspectiva, um prodígio das artes e das ciências, ao menos assegurou-se uma saudável reclusão do tesouro. Na quarentena, A Última Ceia está bem cuidada.

E o mais importante: nunca antes como agora ela poderá ser apreciada nos detalhes, em zoom — aquele antigo, o da aproximação, e não o das videoconferências. O projeto Google Arts and Culture em parceria com a Royal Academy of Arts de Londres acaba de publicar na internet uma versão digitalizada, em altíssima definição, com mais de 1 bilhão de pixels, da clássica imagem. Usou-se, em nome da qualidade, uma cópia feita por discípulos do ateliê de Da Vinci, Giampietrino e Giovanni Antonio Boltraffio, que trabalharam com óleo sobre tela, material e plataforma mais duradouros — os acadêmicos e especialistas em restauro usaram esse carbono, fidelíssimo, para estudos aprofundados da criação do gênio toscano e para recentes iniciativas de recuperação.

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A possibilidade de ver de perto, bem de perto, como se a partir da imagem aérea de um campo de futebol desse para levar os olhos a um fiapo da grama, entrega segredos interessantes — além da revelação dos pés de Cristo, cobertos por uma porta em Milão (veja no quadro ao lado). “Nota-se, muito claramente, na tela, as sucessivas camadas de reintegração”, diz Hernando Freire, conservador e restaurador, sócio-proprietário do Ateliê Arte e Restauração, de São Paulo. Freire identifica, com a visão microscópica oferecida on-line, ao comum dos mortais, um recurso conhecido como tratteggio — método pelo qual se cobrem as lacunas mediante finos traços que se justapõem e que se ajustam, em espessura e cores, ao original. Do casamento da arte com a tecnologia, enfim, brota um extraordinário passeio pela ação dos séculos, travessia que fez crescer a beleza e a magia da composição de Leonardo da Vinci, atalho para uma impressão que se adéqua perfeitamente aos dias de hoje, de afastamento. “Precisamos respeitar o tempo”, diz Freire. Eis um bom conselho, e que A Última Ceia traduz à perfeição.

Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695

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