No mundo da moda, as grifes lançadoras de tendências, não raramente, precisam recorrer aos tribunais para proteger a autoria de suas ideias. Quando isso acontece, entram em um longo e desgastante imbróglio judicial, pois são muito tênues os limites entre inspiração, cópia e pirataria, principalmente nessa área. Na última quarta-feira, 13, depois de nove anos, duas empresas conhecidas da moda conseguiram encerrar uma dessas pendengas na Justiça. De um lado, a Cavalera, grife roqueira com raiz paulistana, e, de outro, a Zara, loja de roupas com sede na Espanha, presente em 86 países, incluindo o Brasil.
Alvo de pelos menos 60 processos – dos mais diversos tipos, incluindo uso de trabalho análogo à escravidão –, a rede espanhola foi condenada desta vez por usar indevidamente, em camisas polo, a logomarca da Cavalera, que é uma águia de duas cabeças. “A Cavalera perdeu em todas as instâncias até chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando houve uma mudança no entendimento da causa”, conta Luiz Ricardo Marinello, advogado que representa da marca.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, escreveu no acórdão que a decisão jurídica nesses casos pretende “proteger o seu titular contra a concorrência desleal e resguardar o consumidor, que, ao optar por uma determinada marca, espera um certo padrão de qualidade já pessoalmente experimentado ou conhecido de outra forma”.
A cópia é verdadeiramente uma praga na vida das marcas. Tem uma boa ideia disso quem costuma fazer compras no maior centro atacadista de vestuário do Brasil, nos bairros paulistanos do Bom Retiro e Brás. As vitrines exibem modelos que, em geral, foram “inspirados” em grandes marcas. Apesar de muito parecidos com peças mais caras e que muitas vezes foram exibidas nas passarelas mais luxuosas da moda, elas não pretendem enganar o consumidor. Mesmo quando são cópias descaradas, não levam etiqueta falsa, nem o logo da marca original, na maioria das vezes. Caso contrário, estariam incorrendo no crime de pirataria. Dados da Receia Federal apontam que os produtos falsificados causaram um prejuízo de 395 bilhões de reais de impostos não recolhidos aos cofres públicos em 2022.
“O vestuário é o campeão de perdas com a ilegalidade”, diz Edson Vismona, diretor do Fórum Nacional de Combate a Pirataria (FNCP), que representa os 14 setores produtivos – entre marcas esportivas, de luxo e de cigarros – mais prejudicados com essas práticas. A entidade recebe dados dos associados, que calculam as perdas acumuladas com o espaço do mercado que deveriam ocupar, mas está nas mãos dos autores das cópias. Nesse sentido, a estimativa de prejuízo, só do vestuário, é de 84 bilhões de reais. Somados todos os 14 setores, as perdas chegam à quantia de 280 bilhões. A esse valor há um acréscimo de 130 bilhões de impostos sonegados.
“Acho que deveria ter uma legislação mais rígida sobre este assunto. A falsificação é prejudicial para qualquer marca”, diz Alberto Hiar, fundador da Cavalera. De fato, no Brasil a contrafação é uma ilegalidade que dificilmente é criminalizada, pois tem pena de três meses a um ano de prisão. Tanto que a Cavalera recebeu por danos morais 127 mil reais. Já o prejuízo material está em discussão entre os envolvidos. No Congresso, o Projeto de Lei 333, de 1999, prevê o aumento da pena para quatro anos de prisão para os crimes de pirataria. Resta saber se não existem outros meios, como aumento de fiscalização, para evitar que tanta mercadoria pirata seja vendida à luz do dia e em qualquer lugar.
Procurado pela reportagem de VEJA, o advogado da Zara não retornou o contato.