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Wandinha e Beetlejuice impulsionam moda gótica, que está de volta

Roupas pretas, couro, rendas e transparências confirmam a tendência

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 29 set 2024, 08h00
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  • Os tempos andam sombrios e sinistros — e não se trata de lamentar, como convém, os estragos provocados pelas mudanças climáticas e a pancadaria política sem eira nem beira. Sai das sombras — e renasce, sublinhe-se — a tendência do gótico a emoldurar os corpos. O lançamento de Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, do diretor Tim Burton, e a confirmação da segunda temporada de Wandinha, da Netflix, pavimentam uma avenida feita de roupas, sim, mas que ultrapassa o mundo da moda para invadir o estilo, um jeito de ser, uma postura. E dá-lhe beber, como inspiração, das personagens de Monica Bellucci e Jenna Ortega, ícones de um movimento com um pé na bizarrice, em tons monocromáticos.

    Há, sem dúvida, em onda atrelada a um fenômeno dos anos 1980, a vontade de dizer alguma coisa, como manifesto. O uso de saias, calças, vestidos e terninhos de couro, com rendas e transparências, além da maquiagem pesada, grita alto: é como um estandarte a revelar preocupação com as guerras e com o descuido ambiental. Se as coisas andam escuras, mais para tempestade do que para bonança, os armários traduzem a esquisita sensação. “A moda gótica fica em evidência toda vez que temos um ambiente muito carregado do ponto de vista social, econômico e político”, diz o stylist Alexandre Schnabl. O futuro incerto, de cenários apocalípticos, ainda que exagerados, é naturalmente refletido em quem gosta de dialogar com a estética.

    RESSURREIÇÃO - Monica Bellucci na sequência de Beetlejuice: musa
    RESSURREIÇÃO - Monica Bellucci na sequência de Beetlejuice: musa (Divulgação/Warner Bros)

    Como exercício didático, é sempre bom dar um pulinho na história. O estilo gótico, criado no fim da década de 1970, em Londres, à sombra do movimento punk e envolto em uma atmosfera dark, andava no subsolo da sociedade, em cantos sem luz. Como quase todas as ditas “subculturas” do pós-guerra, nasceu da necessidade, por assim dizer, de rebelião contra o sistema. Naquela época, era um brado britânico contra o governo de Margaret Thatcher (1925-2013) e países atingidos pela crise econômica, greves em profusão e violência. Eram tempos de preocupação, sem boia de salvação. E não por acaso a juventude transviada incorporou a estética macabra e niilista, de modo a exacerbar uma modalidade de luto. E assim meninas e meninos apareciam em peças na cor preta, de preferência de veludo, ousadas ou não, mas sempre chocantes, em camadas de eclipse. Era tudo muito triste.

    Mas havia, ressalve-se, inteligência e ideias atrás da cortina comportamental. Os jovens buscaram inspiração nos chamados romances góticos, assim batizados em referência à arquitetura gótica da Europa na Idade Média, ambientação da maioria dos relatos dos autores britânicos Lord Byron (1788-1824) e Mary Shelley (1797-1851). Foi na música e no cinema, no entanto, que o estilo floresceu. Siouxsie Sioux, vocalista da banda de rock Siouxsie and The Banshees, e Robert Smith, líder do The Cure, foram alçados à posição de ícones fashion. Assim como Winona Ryder, que viveu a melancólica Lydia Deetz em Beetlejuice — Os Fantasmas se Divertem, também de Burton, lançado em 1988. O mundo mudou, e apesar dos tiros e bombas, apesar do autoritarismo à direita e à esquerda, apesar de tudo, vive-se mais e melhor.

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    EM TODO LUGAR - Desfiles da Rodarte, Valentino e Mugler (acima, da esq. para a dir.), a atriz Winona Ryder (abaixo, à esq.), no Festival de Cinema de Veneza, e Madonna, no desfile da Dolce & Gabbana, em Milão: visual domina tanto as passarelas das semanas de moda quanto os tapetes vermelhos dos prêmios
    EM TODO LUGAR – Desfiles da Rodarte, Valentino e Mugler (acima, da esq. para a dir.), a atriz Winona Ryder (abaixo, à esq.), no Festival de Cinema de Veneza, e Madonna, no desfile da Dolce & Gabbana, em Milão: visual domina tanto as passarelas das semanas de moda quanto os tapetes vermelhos dos prêmios (Fernanda Calfat/for NYFW/Getty Images; ascal Le Segretain/Getty Images; Taylor Hill/Getty Images; Stefania D’Alessandro/WireImage/Getty Images; Ricardo Gomes/DOLCE & GABBANA/.)

    Como então transpor o discurso de ontem, nas ruas e passarelas, para os dias de hoje? Trata-se, agora, de repetir a história como farsa, com pitadas de gentrificação. E então vemos os uniformes dark colados a etiquetas de luxo como Valentino, Rodarte e Thierry Mugler, ou até mesmo em tapetes vermelhos por meio de estrelas como as cantoras Dua Lipa e Madonna e a atriz Anya Taylor-Joy. O nome das figuras, com algum humor: “bruxas modernas”. As trevas já não são como antigamente. Quem as defende, para propor o avesso, algum renascimento salvador, soa estranho aos olhos de gente dita “normal”. É turma que parece rebelde — embora nem sempre seja, de fato. Mas está por aí, como dado da atualidade, compondo a paisagem. Como disse o escritor e poeta americano — e gótico, claro — Edgar Allan Poe (1809-1849), o genial autor de O Corvo: “Quão escuro um pesar! Mas quão bela a esperança”. Taí uma boa ideia, apostar na esperança, porque um dia as cores voltarão com pompa e circunstância.

    Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912

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