Uma multidão que já cruzou a barreira dos 60 está aderindo com tudo à internet
A princípio desconfiados do admirável mundo novo, eles deixaram as resistências de lado. E se beneficiam muito disso
O avanço no uso das telas é um daqueles fenômenos transformadores no modo como as pessoas pensam e vivem. Mas cada qual absorveu a chacoalhada a seu modo, uns mais refratários do que outros. A partir do início deste século, quando entraram com tudo no cotidiano moderno, smartphones e laptops foram vigorosamente abraçados pelas jovens gerações, enquanto a população que ocupa a ponta da pirâmide etária ficou mais arredia, de tão distante que se via da turma dos nativos digitais, para quem o teclado é como uma extensão da própria mão. Mas o mundo deu lá suas voltas, e o grupo dos mais velhos, gente com 60, 70 anos em diante, está rompendo o tabu de que redes, perfis, hashtags não são coisa para eles. E assim um vasto horizonte vem se abrindo no terreno antes percebido como hostil e que, agora, se converte em potente alavanca para se sentirem, também eles, conectados a estes tempos — e como.
Um empurrão decisivo a seu ingresso maciço na internet tem raízes na pandemia, que em 2020 fez a população mundial se confinar em casa. Não havia então outra opção que não clicar para ter acesso à vida lá fora: escola, faculdade, restaurante, compras, lazer — tudo passou a ser possível apenas via telas, que também ajudaram a aplacar a ansiedade. Foi aí que a fatia dos mais velhos teve de vencer o medo e se lançar aos aplicativos e redes. Poderiam ter voltado atrás quando a tormenta da covid-19 passou, mas não: a experiência havia sido boa, e eles seguiram firmes ali, segundo dados recentes do IBGE. Nos últimos cinco anos, a porção conectada dos brasileiros que cruzaram a marca dos 60 anos saltou de 45% para 70% — uma mudança extraordinária aos olhos da demografia.
Estudiosos da caminhada do pelotão de cabeça prateada rumo à internet observam um conjunto de benefícios na abertura às telas. “Eles estão envelhecendo não só com mais autonomia, mas com maior disposição para aprender, uma mudança significativa”, avalia a gerontóloga Cláudia Alves. Uma pesquisa publicada na prestigiada Nature Human Behaviour indica que sessentões (ou mais) que têm o hábito de circular pelo universo virtual apresentam menor risco de declínio cognitivo, uma vez que encontram por lá estímulo à memória e tarefas que desafiam o cérebro. Como outros de sua geração, a administradora de empresas Esther Fonseca, 66 anos, tomou um susto quando o computador invadiu o escritório. “Achei que a máquina faria até café”, brinca. Aos poucos, foi se aclimatando e descobriu na tecnologia, além de um modo de se manter atualizada, uma aliada no trabalho — hoje como corretora de imóveis. “Vendo casas pelo celular, administro um grupo de WhatsApp com uma centena de corretores, faço cursos on-line e ainda maratono séries”, lista, orgulhosa.
Não é apenas no Brasil que essa fatia da população se aventura pelas telas. Números recentes do Reino Unido revelam que em pouco mais de uma década os usuários que cruzaram a barreira dos 70 dobraram de tamanho e já figuram entre os que mais tempo dedicam ao dia a dia digital (três horas e dez minutos), atrás apenas dos jovens na casa dos 20 anos. Às vezes, a experimentação extrapola, e muito, os comandos mais elementares. Um levantamento da Universidade de Michigan apontou que metade dos americanos nessa faixa de idade já testou alguma ferramenta de inteligência artificial (IA), de assistentes de voz a chatbots — curiosidade manifestada também no Brasil por gente como Mônica Stocco, 61 anos, dona de uma loja on-line de acessórios para mulheres, que agita o negócio à base de tecnologia. “Faço contato direto com clientes no WhatsApp e uso eu mesma ferramentas de IA para ter ideias e criar peças de divulgação”, conta ela, que reconhece estar diante de “muita novidade”.
A inserção nas redes para a turma mais velha é também uma forma de amenizar o sentimento de solidão que bate a essa altura da existência em uma de cada três pessoas mundo afora, de acordo com o banco global de dados científicos PubMed. Os laços de família e com amigos, que não raro estão sugados por agendas atribuladas, são facilitados por videochamadas, e no YouTube um grupo expressivo se exercita, se entretém e até assiste à missa. Ferramentas digitais ainda encurtam processos enfadonhos para quem, nesse ponto da vida, quer despender energia só com o que importa — e dá-lhe agendamento de consultas médicas, encomenda de remédios e compras on-line. A médica Vivian Ellinger, 76 anos, busca não ficar para trás a cada vez que a tecnologia evolui para um lado diferente. Com quatro filhas morando no exterior, instituiu um ritual aos domingos, que virou dia de encontros a distância que incluem os netos. “Me sinto acompanhada por eles”, diz.
Como em qualquer faixa etária, porém, o mergulho digital não deve ser dado sem precauções. Tamanha é a adesão dos veteranos à internet que, na Coreia do Sul, pioneira no assunto, 15% dos sessentões já apresentam risco de dependência de smartphones, um mal que há pouco se restringia à juventude, segundo o Ministério da Informação. “O uso ativo das telas amplia oportunidades de estudo, trabalho e interação social, melhorando o humor e reduzindo a solidão, mas seu uso passivo, o do scroll infinito, eleva a ansiedade e interfere no sono”, pondera a médica Roberta França, estudiosa da longevidade. Um alerta de outra natureza é também martelado pelos pesquisadores: a variedade de golpes digitais tem nos mais velhos suas vítimas preferenciais. Por isso, é recomendada uma “alfabetização” para os menos escolados, para que aprendam a checar links e a zelar pela privacidade. “A ideia não é afastá-los das redes, mas ensiná-los a fazer uma navegação segura e que lhes ajude a fortalecer vínculos verdadeiros”, afirma Gabriel Calvi, especialista em mídias digitais.
Não há dúvida de que os ganhos na área social são notáveis. “A tecnologia tem contribuído para ocupar de uma maneira rica um vazio que vem da tendência natural ao isolamento em certa idade”, enfatiza o psicanalista Artur Costa. Mas vale lembrar que os excessos são altamente contraindicados — o que se aplica, aliás, a qualquer humano. “A tela não pode substituir a experiência da vida real, porque aí, no lugar de estimular as conexões, estará incentivando o isolamento”, lembra a especialista Roberta França. Como a conectividade dessa multidão de cabeça prateada que só faz crescer é marcha sem retorno, vale olhar por dois ângulos o copo que repousa à mesa deste século XXI. Certamente é a metade cheia e mais positiva que se sobrepõe.
Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2025, edição nº 2975

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