Seu filho, meu mundo: a explosão de perfis de fã-clubes de bebês de famosos nas redes
Eles são criados por quem não conhece nem o pai nem a mãe, muito menos a criança, mas aproveita a enxurrada de fotos e vídeos já em circulação
O hábito de postar banalidades do dia a dia vem sendo cultivado em alto grau por celebridades planeta afora com o objetivo de atiçar a curiosidade e cultivar a imagem, o que, se bem administrado, pode se reverter em mais público e contratos. A cada dia, o movimento ganha fôlego e se desdobra em novos nichos, como os perfis criados pelos famosos para seus filhos, que exibem gracinhas muito bem filtradas a vastas plateias virtuais. Mas, como não parece haver aí barreiras à inventividade humana, as comportas da intimidade dos pequenos estão sendo ainda mais abertas no embalo de um fenômeno que toma corpo nas redes sociais — o de fã-clubes de uma garotada de sobrenome conhecido, desta vez criados por quem não conhece nem o pai nem a mãe, muito menos o bebê, mas aproveita a enxurrada de fotos e vídeos já em circulação, tece comentários não raro de uma palavra só (fofo, divertido, engraçado etc.) e, quando menos espera, viraliza.
Em passado não tão remoto assim, é verdade, já se observava essa onda, encabeçada por perfis como o de Suri, a filha de Tom Cruise e Katie Holmes, que ainda engatinhava quando foi lançada aos holofotes digitais, dezenove anos atrás, movendo fã-clubes que enalteciam seus looks fartos em grife. Só que agora essas páginas proliferam um dia após o outro e, a depender da celebridade, alcançam escala jamais vista, o que conduz a uma reflexão sobre o que faz tanta gente querer consumir álbuns de famílias que não as suas. Uma garimpagem nas redes feita pela reportagem de VEJA mostra que no grupo dos pimpolhos brasileiros mais seguidos e curtidos aparecem, nesta ordem, os três filhos da influencer Virginia Fonseca com o ex-marido, o cantor Zé Felipe, seguidos das duas meninas de Neymar e dos dois rebentos do casal de influenciadores Viih Tube e Eliezer. Juntando a turma que acessa os dez fã-clubes de maior sucesso, o número ultrapassa a barreira dos 3 milhões — bem longe dos papais e mamães que despontam no panteão da fama, mas impressionante em se tratando da curtíssima estrada dessa meninada de fralda.
Os relatos on-line mostram uma legião de curiosos entre os frequentadores desses perfis, um grupo que não perde oportunidade de adentrar um pouco mais o universo de quem faz sucesso (ou nem tanto). “Os fã-clubes de bebês acabam trazendo novos ângulos e percepções que ajudam a entender melhor a celebridade”, diz a psicanalista Elidiana Palasciano, 41, que particularmente se afeiçoou a Maria Alice, a filha de 4 anos de Virginia. O que estimula uma pessoa a criar uma página de tal natureza, e uma multidão a segui-la com assiduidade, tem tudo a ver com a idealização da vida das celebridades, um traço da sociedade contemporânea que pode extrapolar as fronteiras do razoável, segundo especialistas atentos à maré das redes. “Vemos muita gente projetando suas carências e aspirações em figuras famosas. Soa inofensivo, mas, se vira obsessão, é um problema”, observa o psicólogo Igor Lemos.
Depois de tanto contato virtual, há quem admita se sentir até parte daquela família com a qual nunca esbarrou, mas que acompanha quase como se fosse a sua — um degrau a mais no anseio de se ver perto da celebridade que admira. “Gosto de verdade, dou pitaco, me sinto até avó dessas crianças”, diz a economista Maria Alice Figueiredo, 62 anos, ativa integrante do fenômeno. Um ingrediente a mais ajuda a explicar a atração de brasileiros de todas as idades pelos fã-clubes de uma criançada que acaba por herdar a fama dos pais sem nem sequer ter pronunciado uma palavra. “Ao seguir a rotina dos filhos de famosos, a sensação é de se aproximar por tabela de uma vida glamorosa”, analisa o antropólogo Bernardo Conde.
Para o ser que dá seus primeiros passos no mundo, alertam os estudiosos, a exposição excessiva embute o perigo de acabar, mais tarde, tendo os valores e a autoestima moldados de acordo com as expectativas de um público que nem lhe pertence. “Isso pode afetar o desenvolvimento numa fase em que não estão demarcados os limites entre a própria emoção e a percepção do mundo exterior. Tudo se confunde no cérebro”, afirma Evelyn Eisenstein, da Sociedade Brasileira de Pediatria. Numa linha mais fina e delicada, na chegada à vida adulta, alguns desses bebês agora sob holofotes podem se ressentir de uma exibição que nunca escolheram ter — e que começa, vale lembrar, por iniciativa dos pais, que alimentam as redes com fartura de conteúdo. Outro ponto de atenção nesta era de inteligência artificial a toda são os riscos de as imagens dos pequenos serem manipuladas por gente de má-fé. Por tudo isso, mesmo sendo boa a diversão, é preciso, também aí, achar um equilíbrio. A criançada agradece.
Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2025, edição nº 2970
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