Viajar em confortáveis poltronas que viram camas, com total privacidade e atendimento exclusivo regado a champanhe, lagostas e caviar sempre foi o maior desejo de consumo dos passageiros aéreos. O sonho de voar de primeira classe viveu o seu apogeu entre os anos 1970 e 1990, quando as companhias aéreas passaram a investir cada vez mais em espaços marcados pela alta sofisticação. Pois bem, para quem hoje pode e quer viver essa experiência, cabe o alerta: é bom realizá-la o mais breve possível, antes que tais regalias desapareçam, ao menos nos moldes tradicionais.
As grandes aeronaves costumam ser divididas entre classe econômica, a mais básica, com espaços apertados e, portanto, a mais barata; classe executiva, projetada para maior conforto e alguns mimos; e finalmente a primeira classe, o crème de la crème. No entanto, nos últimos anos, a extinção dos assentos mais caros vem se tornando uma tendência na indústria. No fim do mês passado, a American Airlines, a maior companhia do mundo em tamanho de frota, anunciou o plano de eliminar suas poltronas de primeira classe em voos internacionais, repetindo o que as principais concorrentes, a Delta e a United, já haviam feito tempos atrás. Outros gigantes, como Air France e British, também reduziram drasticamente a sua oferta.
O motivo é óbvio. “Acho que isso até demorou para acontecer na American Airlines, em virtude da alta demanda que existia entre rotas dos Estados Unidos para o Oriente, que caiu com a pandemia”, disse a VEJA Dilson Verçosa Jr., que se aposentou em 2021 após três décadas no comando da empresa americana no Brasil. Ele explica que a maioria dos viajantes de primeira classe não paga a tarifa total (atualmente, um bilhete integral não sai por menos de 15 000 reais), pois utilizam milhas ou outros benefícios de clientes premium. “É mais uma razão para o provável fim da primeira classe, pois havia um número pequeno de assentos ocupando um grande espaço e com baixa rentabilidade.”
Fechar a primeira classe, que costuma receber no máximo oito poltronas, e aprimorar a executiva, na casa de trinta espaços, é, portanto, uma estratégia para maximizar as receitas que diversas companhias já vinham adotando. Benefícios como atendimento prioritário no check-in e no embarque, acesso a áreas VIP de aeroportos, remarcação e cancelamento de voo sem taxas, poltronas reclináveis e internet a bordo, antes restritos ao espaço de luxo, hoje já são oferecidos em classe executiva. “Esses espaços chegaram a um padrão tão bom de conforto, privacidade e entretenimento que tornou a primeira classe quase que redundante”, diz o consultor de aviação Gianfranco Beting. “O que mais se perde é a qualidade de comida e bebida, que era um diferencial. As classes executivas não têm mais a condição de manter refeições tão espetaculares.”
Companhias como Delta, All Nippon Airways, British Airways e China Eastern estrearam recentemente poltronas com portas, para preservar a intimidade dos passageiros da classe executiva. O Brasil acompanhou o movimento. Desde 2014, a Latam (na ocasião sob o nome TAM) aboliu a primeira classe para melhorar a executiva.
Há, no entanto, quem voe na contramão do fenômeno. Empresas árabes, asiáticas e até algumas europeias têm investido em primeiras classes cada vez mais luxuosas (veja o quadro). A alemã Lufthansa anunciou em outubro um investimento de 2,5 bilhões de euros na remodelação de 30 000 assentos de primeira classe, classe executiva, econômica premium e econômica. A linha First Class terá suítes espaçosas, com camas grandes e paredes quase na altura do teto, para maior privacidade. As refeições, que incluem o bom e velho caviar, podem ser servidas em uma grande mesa de jantar, entre diversos outros benefícios.
A consultoria britânica Skytrax elegeu a Qatar Airways como a melhor companhia aérea de 2022. Já a Singapore Airlines faturou o prêmio de melhor primeira classe. “Empresas como essas realmente investem nesse segmento e ainda conseguem atrair um público muito específico”, diz Dilson Verçosa Jr.. Voar nessas condições, portanto, ainda é um sonho possível, mas cada vez mais distante.
Publicado em VEJA de 9 de novembro de 2022, edição nº 2814